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         Pelos olhos de Aurora

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O retorno nunca foi tão longo como agora.

Não é Bianca que anseia chegar,pois ela está calma e parece não observar a paisagem. Se perguntar onde estamos,não saberá responder. Está dentro de uma redoma que só ela sabe por onde entrar e sair. Não a culpo e nem a pressiono,apesar de sua nova resolução,não será fácil concretizar o que falou.

Estamos a duas semanas na estrada,ainda restam  alguns dias e não vejo a hora de aportar em casa. Uma ansiedade até então desconhecida,está a me atormentar. Não costumo ter esse tipo de arroubo e nem posso imaginar o porquê. Até onde sei,não há nada que exija minha presença com tamanha pressa. No cafezal tudo está sob controle e se houvesse alguma emergência,meu tio haveria avisado.

Então fico ruminar o que há comigo.

Deve ser efeito colateral pela falta que  Alejandro faz. O que amar alguém e não o ter por perto faz com uma pessoa.

Tento manter a calma e para tal intento,volto a folhear um livro que só agora percebo está lendo de cabeça para baixo e ainda  é de botânica. O que me dará sono só de imaginar o "fantástico mundo de jardinagem". Mesmo com nervos em ebulição,consigo passar pelos dias que restam da viagem. Bianca não é uma companhia  tão ativa e não invado sua decisão de ficar em sua própria muralha.

É com um alívio imediato que vejo a estrada que leva para o casarão. Apesar da pequena distância que falta,a ansiedade me torna desimpaciente. Mal a carruagem para e já estou pronta para descer,sem esperar que um lacaio abra a porta ou ponha o degrau para que não caia.

_ Eita Aurora!_ exclama minha irmã dentro do veículo assim que desço com um pulo. _ Até parece que vai tirar o pai da forca!_ com ajuda do lacaio,segurando graciosamente sua mão,ela desce com finesse.

Ignoro seu comentário e sigo os poucos degraus até a entrada. Selia já vem me  receber assim que passo pela porta principal.

_ Senhorita que honra tê-la de volta ao lar. _Toma minha capa e meu chapéu sem que eu peça e já entrega para um dos lacaios,assim será levado junto com as bagagens.

_ É bom ver você,Selia!_ digo enquanto a abraço rapidamente.

_ Senhorita,isto é tão inapropriado!_ reluta ao mesmo tempo que me aperta.

Selia sabe que não deveríamos voltar antes que Bianca parisse,mas segura sua curiosidade e não faz comentário a respeito. Segundo ela,uma dama _ qualquer pessoa,na verdade _ tem que saber a hora de ficar calada e não correr o risco de ser deselegante fazendo perguntas descordiais.

Depois disso cumprimenta Bianca e seguimos para a sala. Estou a ouvir as reclamações de Selia a respeito da minha aparência,dizendo que estou mais magra e isso não é bom sinal. Que  sem ela,não ando na linha. Se pensei em responder,não posso afirmar nem agora e nem nunca.

Fico sem ação e reação,imediatamente meu corpo para e nem o mais ínfimo dos movimentos é executado.

Claudete León está sentada ao lado do meu tio,com a mão entrelaçada ao seu antebraço e com o sorriso mais inocente que pode ter ou fingir.

Não consigo deixar de sentir aversão,raiva,decepção e uma miríade de emoções conflitantes. Quando voltei do futuro não senti intensamente o que me acomete agora,pois ela não estava na minha frente como nesse minuto. No momento,o que quero é estapear seu rosto aristocrático e soltar minha fúria. Ver Claudete ou Ciara,seja lá qual for seu nome,reavivou os sentimentos mais funestos que é possível ter. A dualidade do que é bom ou ruim está digladiando dentro de mim,fazendo com que use o máximo de controle que tenho e testando a imparcialidade que sempre me valeu.

Aurora _ A Cada Amanhecer Uma Surpresa Onde histórias criam vida. Descubra agora