Capítulo 5 - Catarina

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"Dias tristes muitas vezes nos destinam a dias melhores"

Catarina: Eu já posso ver a minha vó? - pergunto ao Dr Caique que examina a gente. Ele tem sido muito paciente com todos nós, além de me trazer informações todos os dias.

Dr: Vamos encaminha-la para o quarto ainda hoje. Depois das 19hrs você poderá vê-la. Mas aconselho não levar o Benício.

Catarina: Ok. Muito obrigada. - fico quieta esperando ele terminar. São dias e dias nesse lugar.

Aqui não é o pior lugar do mundo, se duvidar é até melhor que a minha antiga casa. Mas nunca é a mesma coisa de se sentir confortável.
As vezes levo o Bento para ONG cultural ou esportiva e deixo ele brincando enquanto estudo. A única coisa que sobrou foi realmente as que minha vó havia guardado na bolsa, mas é claro que os livros se encheram de lama e os puis pra secar, as roupas do Bento tive que lavar e as nossas economias dei um jeitinho.
Minha sorte é o seu terço que me consola e motiva a viver todos os dias.

A gente tem uma psicóloga aqui também, conversamos pelo menos duas vezes na semana. É, esse morro está diferente, se não acontecesse tantas tragédias diria que é um conto de fadas. Depois da Sienna e os comandos do Mufasa na direção da ONG muita coisa mudou. Não é mais as ONGs do Alemão e sim do Mufasa.

Aqui não tem esses luxos todo, mas a bastante movimentação, além de investir em saúde educação, ele investe por fora e ainda consegue patrocínios um tanto corrupto em troca de serviços (escuto por ai essas coisas) não que eu apoie a sujeirada, mas sinceramente ajuda muita gente a política.
Aqui não tem tudo do bom e do melhor, mas como eu disse...é melhor que minha antiga casa.

As ONG's são galpões que provavelmente foram escolas ou garagens de encontro, algo do tipo. E as cores nela são grafites dos próprios moradores, toda dor, ódio e esperança grafitada. Muitos que chegaram comigo, já começaram a construir seus novos barracos, fizeram um esquema de trabalho por troca (eles trabalham em alguma coisa no morro e o pagamento é a comida e a construção) muitos estão indo procurar serviço na pista e muitos foram embora pra longe.
Aqui muitos moradores que vivem melhor vem deixar roupas, brinquedos, calçados, colchões e coberta.
Tem uma cozinha enorme onde a gente mesmo cozinha um bom tanto, pra alimentar a todos.

E é claro, os donos fazem possível, já que eles são vendedores e garimpeiros de joias preciosas.

Dr.: Prontinho

Bento: Eu já posso mexer o braço?

Dr: Pode sim garotão. - olha pra mim- com licença, vou atender o próximo - assinto

Cata: Olha eu vou ter que te deixar hoje a noite com o Nando.

Bento: Deixa na tia Ray

Cata: A Ray está com a mamãe dela doente

Bento: E o João?

Cata: João está viajando

Bento: Lá não tem ninguém pra eu brincar - faz bico

A Rayres vem me visitar e trás sempre uma roupa nova, atividades e as fofocas. Estou pensando em transferir os estudos para a noite, assim o Bento fica na ONG durante o dia enquanto procuro um trabalho e a noite a dona Margarida o olha.
João ainda não voltou da onde ele ta ficando, mas conversamos pelo celular da Ray. Ele ta atolado de coisas da faculdade, mas disse que assim que der vem me da uma força e ver o que pode fazer por mim.

O Celso e a Yasmim também são grandes companheiros aqui, ambos são casados e a Verônica juntamente com o Braz (seus respectivos Conjuge) sempre estão por aqui trazendo graça.

Tem também a dona Andreia que é uma senhora que eu ajudo na cozinha, batemos bons papos.

Eu tenho pra mim que tudo vai melhorar, vou arrumar um emprego pela manhã, estudar a noite e arrumar uma casa pra mim, Bento e a vovó.

Aqui as horas passa muito devagar, mas aos poucos devo me acostumar.
Não está sendo nada fácil, mas me sinto forte lembrando que tenho tudo pra viver. 
Poderia desejar ter morrido naquela chuva, mas não sei o que seria da vovó e o Bento. Uma criança e uma idosa.
Vovó já tem seus limites e Bento ainda é muito dependente, eu devo tudo a minha vó, não sei o que seria de mim sem ela. Aquela louca que se diz minha mãe poderia ter me deixado em qualquer lugar nesse mundo ou antes mesmo já teria sido abortada.

[...]

O Nando me deixa na porta do hospital e eu entro. Ele me prometeu cuidar do Bento em sua casa e daqui uma hora passava para me buscar.

Catarina: Oi, boa noite. - converso com a moça da recepção e explico tudo pra ela. Perdemos nossos documentos em meio a tudo isso e assim ficaria difícil provar algo.

Ela me instrui por onde devo seguir e caminho em direção ao quarto da minha vó.
Abro a porta e meus olhos parecem arder, minhas pernas tremem e sinto as lagrimas cair.
Seu corpo possui muitos machucados, sua cabeça está enfaixada e seus olhos fundos e escuros.

Cata: Vó -chamo- desculpa por não conseguir te achar, desculpa por não ter sido uma boa neta, desculpa por tudo. A senhora sempre deu o seu melhor por nós e de repente vejo que eu nunca fui boa pra senhora. Desculpas por reclamar sempre de ir ter que lavar os pratos, desculpa por não voltar na hora certa quando eu saia para namorar e me desculpa de não ouvir seus sermões e conselhos- segura na sua mãozinha - você é meu orgulho.

Dr: Catarina - O doutor entra no quarto - sei que é um momento difícil para vocês, mas preciso te deixar claro do estado dela - limpo as lagrimas - talvez ela não te escute, ela entrou em coma e provavelmente pode chegar a um derrame cerebral. E caso volte a viver, fizemos de tudo, mas não conseguimos recuperar sua perna.

Olho rapidamente para as pernas de minha vó coberta por uma manta e quando suspendo me choco ao ver sua perna amputada.

Meu Deus, quanta desgraças vozinha. E as costuras? A feirinha que ela ama ir? E a missa?

Cata: Posso ficar sozinha com ela? - ele assente, mas não sai- Tem mais alguma coisa doutor?

Dr: Infelizmente logo teremos que tranferir ela para os leitos compartilhados, não sei se você percebeu, essa é a sala da doutora Milena. - olho ao redor notando que eles modificaram a sala- Nesse periodo de chuva cedemos nosas salas de atendimento.

Cata: Eu entendo, mas aqui é um hospital público o governo poderia entrar com recursos e...- sou cortada.

Dr: Você falou certo, público! Mas não chega ser pior do que no morro certo? La só temos o postinho da família, todos os casos são mandados para o hospital mais próxima. Mas o que eu quero te dizer é que não temos lugar nos quartos pra ela, pois existe uma escala e ela não se enquadra nos casos graves.

Cata: Como assim não se enquadra? Doutor, minha avó está desacordada! - me altero

Dr: Sim, eu sei! Mas para alguns ela não teria chances de sobreviver, principalmente se orgãos pararem. Existem pessoas aqui feridas, com hemorrigias, cancêrs e mais. Sua vó precisa ser tranferida para enfermaria ou corredores e la não teremos recursos para garantir a saúde dela - nego com a cabeça- Eu sei que é difícil, eu não queria esta te dizendo isso. Porem não depende de mim.

Catarina: Teria alguma chance desse quadro mudar? - deixo as lagrimas caírem sem parar.

Dr: Seja forte, Catarina. Apesar da pouca idade, você já é uma mulher. - pega em meu ombro e sai. E aquilo é o mesmo que ouvir um "não".

Fico quieta, apenas fito seu rosto cansado e vivido. Então me desmancho em mais lágrimas.

Sob A Luz Das Câmeras- BônusOnde histórias criam vida. Descubra agora