IV - O bolinho estava delicioso, mas prefiro menta

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Ano de 481

 Em seu sonho, Klaus estava de volta nas terras do velho Landin. Parecia ser um fim de tarde. Junto de Yan, roubava alguns legumes da horta para fazer um ensopado. Seu estomago roncava. Abaixou-se para pegar mais nabos e sentiu uma pontada de dor nas costelas, do lado direito. A dor ia e voltava, como se uma pessoa invisível o estivesse socando com vontade. Ele tentou falar com Yan, mas sua voz não saia.

 Ouviu o latido dos cachorros que vigiavam a fazenda e vozes não muito distantes. Yan parecia não se preocupar, estava mais interessado em conferir a qualidade das beterrabas que colhia. O desespero crescia no peito de Klaus à medida que o som das vozes aumentava e a dor na costela continuava a tirar sua atenção. Sua boca estava seca e a garganta ardia sempre que fazia força para falar, mas ele continuava tentando.

 A dor em sua costela tornou-se praticamente insuportável. Agora seria impossível para ele correr na direção do amigo. Quando parecia que tudo estava perdido e seriam pegos pelos Landin o sonho se desfez. Klaus abriu os olhos e a primeira coisa que viu foi Kian. O guarda estava de pé ao seu lado, cutucando-o nas costelas com a bota. Vestia uma camisa bege de manga curta e calça preta surrada nos joelhos. Diferente da primeira impressão, desta vez Kian quase parecia um jovem normal. A única coisa brilhosa que carregava era sua espada larga afivelada ao cinto.

 Klaus esfregou os olhos e gemeu. Esquecera-se do nariz recém-quebrado e concertado. Apalpou-o levemente para checar. Não parecia estar inchado, apenas sensível. Mais uma vez o sangue fora limpo do seu corpo. Vestia apenas sua roupa de baixo.

 - Vista isso e encontre-me na entrada da torre.

 Kian jogou um conjunto de roupas no colo de Klaus e deixou a cela.

 O ânimo de Klaus era o pior possível. Perdeu sua liberdade, sua dignidade e sua única calça. Sentia-se fraco e inútil. Após um longo bocejo, em parte para enrolar ao máximo antes de se levantar, Klaus examinou as roupas que acabara de receber. Era um conjunto idêntico ao de Kian. Sem espada.

 - O que é isso? Vamos nos apresentar em algum lugar? - Balbuciou enquanto vestia a camisa com cuidado por conta do nariz, depois a calça. Ambas se ajustaram perfeitamente em seu corpo. A bota também era do tamanho exato. Estremeceu imaginando alguém o revirando para tirar suas medidas.

 Ainda irritado desceu a escada em caracol com suas 'novas' roupas. Kian o aguardava do lado de fora na sombra da torre. O guarda assentiu satisfeito quando o viu.

 - Ficou perfeito. Sabia que o antigo uniforme básico da Meren cairia bem em você.

 Não era a melhor hora para Klaus descobrir que ficava bem em roupas femininas.

 - E não feche a cara. – O guarda cruzou os braços. - Não sei o que está passando pela sua cabeça, mas o que está acontecendo é uma grande oportunidade para você e é melhor encarar assim de agora em diante. – Kian falava com seriedade. Parecia realmente acreditar no que dizia.

 Como desta vez ele não falou nada sobre poder fazer perguntas ou não, Klaus arriscou.

 - E porque um cara que eu nem conheço daria uma oportunidade tão boa assim para alguém sem qualificações como eu?

 - Arwin não procura por pessoas qualificadas. Segundo ele, pessoas qualificadas são apenas pessoas desqualificadas que foram colocadas à prova diversas vezes. Além do mais, pessoas qualificadas custam caro. E chega de perguntas.

 Klaus ainda queria saber das suas peças de roupas desaparecidas. Lamentou não ter feito essa pergunta primeiro.

 Os dois deixaram a torre e desceram por uma rua íngreme deserta ladeada por casarões que outrora deviam ser luxuosos. Muitos pareciam estar abandonados há anos com paredes desgastadas, portas e janelas destruídas por cupins e canteiros mortos. Não havia sequer sinal de que eram usados por moradores de rua. Klaus se perguntou o que levou as pessoas da cidade a abandonarem locais tão bons quanto aqueles como se fossem inaproveitáveis. Ele mesmo estava relutante em deixar a cabana onde morava ainda que estivesse caindo aos pedaços.

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