Deuses do Além

XV - Alguém que me entende

Ano de 484

 O baile mal começou e já haviam pretendentes aos montes rodeando Felia.

 Por fora ela sorria e agradecia os elogios. Em sua mente imaginava uma morte dolorosa para cada um dos bajuladores que conversavam sobre futilidades. Cassius se esforçava para manter um pouco de espaço entre ela e os convidados. Mesmo exibindo sua carranca, alguns convidados tentavam certas ousadias como passar o braço pela cintura dela. Nesses momentos ela gentilmente torcia um ou dois dedos do abusado de forma imperceptível, forçando-o a fingir estar tudo bem para não ser ridicularizado na frente dos demais.

 Não que ela esperasse situações diferentes. O vestido novo era deslumbrante e se acomodava com perfeição em seu corpo. Realçando suas curvas e exibindo sua pele, principalmente nas costas que estava praticamente inteira a mostra. Seus longos cabelos ondulados estavam acomodados em um coque. Felia odiava ter de prender seus cabelos. Preferia que estivessem soltos e cheios de movimento, mas a combinação do vestido e as joias que usava ficou maravilhosa demais para ser escondida. Não fossem as caretas que Cassius fazia sempre que Felia sorria para alguém ela já teria largado a festa e voltado para o quarto.

 Tendo passado horas toda a bajulação havia se tornado um estorvo insuportável. Felia estava a ponto de ir embora da festa quando alguém a cumprimentou e os poucos insistentes que ainda a cercavam se afastaram para abrir caminho, dando espaço para que Zarastra Fallin pudesse se aproximar. Sua presença deixava muitos convidados incomodados. Isso o tornava uma companhia 'adequada' naquela altura, onde tudo o que Felia queria era espaço. Além do mais, após anos sem uma visita do príncipe das Ruinas de Prata ao Reino de Damôra, ela estava um pouco curiosa sobre que o mantivera tão ocupado a ponto de recusar os convites anteriores.

 - Princesa! - Ele disse fazendo uma breve reverencia. Felia não pode deixar de perceber que, diferente da última vez que o vira três anos atrás, suas mãos agora tinham praticamente o mesmo tamanho. - É com muito prazer que a vejo novamente.

 - Também é bom vê-lo. - Ela fez uma cortês reverencia ao príncipe. - Não tem nos dado a alegria de ter sua presença em nossos bailes há algum tempo.

 - Alegria? - Perguntou ele retoricamente com um sorriso simpático. Seus olhos, diferente de suas mãos que pareciam ter se tornado mais semelhantes com o passar do tempo, permaneciam com a mesma diferença. Ele encarava Felia que sustentou o olhar. - Gostaria de acreditar que todos pensam como você, mas me abstenho. Sei como sou visto e é por isso que aprecio a sua companhia princesa.

 Felia sorriu. Zarastra sempre foi um rapaz alto e agora estava mais encorpado. Sua postura também melhorou bastante, o que o deixou ainda mais alto. Seus longos cabelos negros lisos estavam penteados para trás. Ele vestia uma túnica branca com detalhes azuis que pareciam escritas de um idioma que Felia não conhecia.

 Alguns convidados que estavam ao redor se dispersaram. Os que permaneciam talvez tivessem alguma expectativa de retomar as conversas fúteis assim que Zarastra fosse embora.

 - Então você esteve afastado por causa dos olhares alheios. - Questionou a princesa.

 - Não, de forma alguma eles me incomodam. São apenas lembrete constante do quanto eu preciso me esforçar para superar com ações as imperfeições da minha aparência. - Zarastra conseguia falar com uma voz pesarosa e ainda assim manter um sorriso simpático, como o de alguém que compreende que tudo possui um propósito maior. Sua atitude não incomodava Felia. Pelo contrário, ela queria saber mais sobre quem de fato ele era quando não estava à vista de todos. - E também me fazem apreciar com todo o meu coração aqueles que sabem o quão estupidas são as besteiras que a nobreza trata como essenciais.