XX - Um traje para dançar com a morte

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  Sua chegada não foi exatamente como o esperado.

 Felia imaginou que não haveria complicação ao ir até a casa da garota depois de conseguir o endereço no ateliê onde ela trabalhava. No entanto, uma pequena multidão se fazia presente na entrada do local.

 - Essa padaria é tão boa assim? - Perguntou para Cassius que a acompanhava dentro da carruagem.

 - Não sei dizer. - Ele afastou um pouco o tecido branco fino que cobria a janela e espiou. - É melhor voltarmos outro dia.

 Ela não podia se dar ao luxo de esperar. Antes, estava satisfeita com o seu traje. Agora, ao se imaginar lutando contra portadores de relíquias sem um traje adequado sentia-se exposta.

 - Não, preciso conversar com ela hoje. - Felia também afastou um pouco o tecido do seu lado da janela e viu as pessoas cochicharem enquanto observavam sua carruagem que estava parada a poucos metros da entrada da padaria. - De nada adianta voltarmos agora. Os boatos já estão circulando.

 Ela abriu a porta e saltou da carruagem. As pessoas se afastaram e tentaram não encarar demais, como o de costume. Sempre que Felia aparecia em publico era uma mistura de temor e admiração. Não que ela fizesse por merecer tamanho reboliço. As pessoas apenas não estavam acostumadas com a sua presença.

 Naquela manhã a princesa vestia uma calça azul escuro e camisa de botão amarela, com uma bota de cano médio. Não estava disposta a sair de vestido e salto depois de uma chuva como a da noite anterior. Seu cabelo ondulado e volumoso estava preso como um rabo de cavalo.

 Felia caminhou em direção a padaria e entrou no estabelecimento fazendo todos no local emudecerem.

 - Alteza. - Disse uma mulher muito bonita por detrás de um balcão. - A quê devemos a honra?

 - Procuro por uma garota chamada Celeste Vankourt. - Respondeu Felia um tanto impaciente. - Onde ela está?

 A mulher empalideceu. Quando suas sobrancelhas arquearam e seus lábios congelaram em um formato de "o" Felia reconheceu traços muito semelhantes aos da garota que procurava.

 - Vou chama-la, alteza. - Uma voz masculina respondeu do outro lado da padaria, vinda de uma área reservada.

 Um homem alto, loiro como a mulher, deixou uma panela com o que parecia ser creme sobre uma das bancadas e se dirigiu até uma porta no fundo da padaria.

 A mulher por fim voltou a si.

 - Desculpe-me, onde estão nossos modos... - Ela limpou as mãos no avental. - Somos os pais da Celeste. Por favor, me acompanhe até o andar de cima. Estamos com muito movimento hoje. Lá, poderão ficar mais a vontade.

 Felia acompanhou a mãe de Celeste até uma pequena sala no andar de cima. Acomodou-se em uma poltrona macia enquanto Cassius preferiu permanecer de pé ao seu lado exibindo o seu olhar desconfiado. A mulher os deixou a sós depois de insistir gentilmente para servir-lhes alguns salgados e doces que Felia recusou. Estava tão ansiosa para descobrir se a garota poderia ser útil que não sentia vontade de comer qualquer coisa naquele momento.

 Instantes depois Celeste entrou na sala. Diferente de seus pais, a garota não parecia surpresa ou preocupada com a presença da princesa. Na verdade, parecia irritada. O que divertia Felia muito mais.

 - Alteza. - A garota cumprimentou-a e sentou-se em um sofá do outro lado da sala. - O que a trás aqui?

 - Seu talento, preciso dele. - Disse indo direto ao ponto.

 Celeste riu-se.

 - Se é só do meu talento que você precisa tudo bem. - A garota falava com um meio sorriso. - Acontece que não trabalho mais no ateliê graças ao nosso ultimo encontro. Estou sem ferramentas e materiais para produzir qualquer coisa além de remendos.

Deuses do AlémOnde histórias criam vida. Descubra agora