XIV - A mais teimosa de toda a zona

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 Ano de 484

 - Cabeça de tocha idiota. - Esbravejava Klaus no caminho para a padaria.

 Ao chegar, pegou dois pães de queijo no balcão da frente e foi para o quarto quando percebeu uma movimentação diferente no corredor do andar de cima.

 - Olá! - Gritou e esperou um pouco.

 Ouviu um cochicho.

 A senhora Vankourt apareceu no topo da escada. Seu sorriso parecia um pouco forçado. Klaus meteu os dois pães de queijo no bolso. Sabia que ela não gostava quando ele comia entre as refeições.

 - Klaus, você voltou mais cedo hoje. Talvez em boa hora. - Ela fez um sinal com a mão para que ele subisse as escadas.

 Quando chegou ao andar de cima, encontrou o senhor Vankourt de pé ao lado de sua esposa. Os dois estavam diante da porta fechada do quarto da Celeste.

 - Veja bem, meu rapaz. - Disse a senhora Vankourt com uma expressão um pouco mais séria no rosto. - Você sabe quais são as regras da casa. Normalmente isso não deveria acontecer. Eu até mesmo acho desnecessário... - Ela virou-se para o marido. - Temos mesmo que fazer isso?

 O senhor Vankourt revirou os olhos.

 - Ora essa. Nossa filha não passa um dia sequer sem ir até o quarto do rapaz. Qual o problema de ele entrar no quarto dela uma vez ou outra?

 A senhora Vankourt cruzou os braços e bateu o pé no chão da mesma forma que a filha fazia quando não gostava do rumo de uma conversa.

 - Eu esperava que você fosse ser a primeira pessoa a se opor a um rapaz entrar no quarto da sua filha.

 - O rapaz não é nenhuma ameaça. Claramente eles se veem como irmãos. Não é mesmo Klaus?

 - Sim senhor. - Respondeu ele prontamente tentando não demonstrar hesitação.

 Era difícil negar seus sentimentos, mas Celeste sempre se comportava com naturalidade ao seu lado. Realmente parecia que ela o via como um irmão e não algo mais.

 - Bem, ainda assim... - A senhora Vankourt iniciou o que Klaus temia ser um de seus demorados discursos. Ela não era de falar muito, ao menos até esse assunto surgir. - Acontece que o quarto de uma garota é o seu refugio do mundo. Seu castelo particular. Um lugar onde ela pode ser quem realmente é sem medo de ser constrangida. Não é um local para garotos transitarem. Existem muitas coisas... particulares no quarto de uma garota e como vocês já sabem...

 - Sim, nós já sabemos! - Interrompeu o senhor Vankourt. - Só que ela está trancada lá dentro desde quando chegou e só parou de chorar agora a pouco. Sequer almoçou.

 - Chorando? - Perguntou Klaus surpreso. - O que aconteceu?

 - Não sabemos meu rapaz. E esse é o motivo de precisarmos da sua ajuda. Ela se recusa a abrir a porta e conversar conosco. - Ele apontou na direção do quarto. - Bata você na porta.

 A senhora Vankourt pareceu querer protestar, mas desistiu e deu um passo para trás. Klaus bateu quatro vezes na porta de madeira.

 - Vão embora! - Gritou Celeste com uma voz rouca.

 - Sou eu. - Arriscou Klaus. - Trouxe pães de queijo.

 Fez-se silencio na casa. A fechadura da porta fez um estalo quando a chave girou. Por entre uma greta Celeste estendeu uma das mãos.

 - Me dê e vá embora.

 - Eu tenho dois, só vou te entregar um deles se eu puder comer o outro junto com você. Podemos ir para a cozinha e...

Deuses do AlémOnde histórias criam vida. Descubra agora