VII - Não sou o que me obrigam a vestir

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Ano de 481

 Talvez tenha sido a cama de molas ou quem sabe a sensação de segurança por estar em uma casa de verdade. O fato é; Klaus dormiu aquela manhã e tarde inteira. Quando acordou no anoitecer foi convidado para se juntar aos Vankourt no jantar. Era uma mesa farta de tal maneira que Klaus nunca tinha visto antes. Ele decidiu começar pelo macarrão e separou algumas fatias de pão ao lado do prato para comer enquanto beliscava os legumes cozidos de uma das bandejas. O macarrão estava tão bom que ele repetiu, o que deixou a senhora Vankourt satisfeita.

 Celeste não estava em casa. Segundo o senhor Vankourt ela tinha um compromisso no atelier de costura onde havia conseguido um trabalho de meio período na semana anterior. Klaus não via nada de errado na garota buscar outros rumos, mas para o Senhor e a senhora Vankourt o tempo de sua única filha deveria ser melhor gasto. E com melhor gasto eles queriam dizer que Celeste deveria gastá-lo nos negócios da família. Vez ou outra um dos adultos lhe perguntavam se era errado querer o melhor para sua filha. Klaus se comunicava balançando a cabeça enquanto tratava de manter a boca ocupada com macarrão, pão e legumes. Estava satisfeito com a hospitalidade, a comida e o quarto. Não queria ultrapassar nenhuma linha desnecessária, afinal não sabia por quanto tempo ficaria ali. Na verdade estava surpreso por não ter sentido a menor vontade de criar um plano para escapar dali desde quando chegara na padaria. Pensara até no que fazer para não estragar tudo e ser mandado embora. Sabia, contudo, que sua estadia poderia não durar muito tempo. Se os Vankourt soubessem sobre o seu passado certamente não o aceitariam, muito menos deixariam Celeste se aproximar dele.

 Não, era melhor não se envolver demais com os assuntos da família. Manter distância seria o melhor para todos. Lembrou-se da sua última noite na cabana. A despedida de seu único amigo arruinada pelos soldados. Não queria passar por nada parecido tão cedo.

 Quando deixou a mesa Celeste não havia chegado. Tentou oferecer ajuda para limpar as louças, mas foi praticamente expulso da cozinha pelo Senhor Vankourt que disse para ele descansar mais. Parecia ser algo como uma área proibida para qualquer pessoa que não fosse um Vankourt.

 Klaus não achou ruim já que precisava dormir o quanto antes para não se atrasar pela manhã. Ainda se lembrava das ultimas palavras que Arwin dirigiu a ele. O Lider da Guarda parecia ser o tipo de cara que não aceitava desculpas. Depois de apagar lamparina e tirar os sapatos, Kaus deitou-se na cama e puxou um lençol até a cintura. Já estava sonolento quando ouviu a porta do seu quarto abrir abruptamente e o som de passos apressados nos degraus da escada.

 - Ei, magricela! – Celeste gritou. - Está acordado?

 Ela saltou os últimos degraus da escada e bateu as sandálias no chão com vontade.

 - Preciso da sua ajuda. - Continuou ela aproximando-se da cama sem se importar se Klaus estava de fato acordado ou não.

 A única iluminação no quarto entrava pela porta aberta no topo da escada. Klaus conseguia ver pouco mais do que a silhueta da garota parada ao lado da sua cama segurando uma trouxa de pano. Seus cabelos estavam presos em um coque e usava o mesmo vestido lilás daquela manhã, mas sem o avental. Rendendo-se a inquietude da garota e de certa forma feliz por ter a oportunidade de vê-la antes de dormir, sentou-se na cama e esfregou os olhos.

 - Anda logo, acorda. Eu preciso de você de pé. - Disse a garota estendendo as mãos com a trouxa de pano. - Aqui, veste isso rápido.

 Klaus pegou a trouxa de pano, colocou em seu colo e desfez o nó. Ele precisou de um tempo para entender o que via. Dentro da trouxa havia um vestido rodado de estampa florida.

Deuses do AlémOnde histórias criam vida. Descubra agora