Ano de 481
Durante o desmaio Felia não teve sonhos, mas sim lembranças. Algumas muito recentes e outras antigas até demais.
Na primeira lembrança ela se viu de pé ao lado de uma Felia com apenas quatro anos de idade na sacada de um quarto observando o Reino.
Um calafrio percorreu por todo o seu corpo. Olhou para baixo, seu eu atual estava transparente e tremeluzente. Exatamente a forma de um espirito ao deixar o corpo segundo uma das histórias que sua mãe lhe contava. Entrou em pânico. Por um momento pensou estar morta. Depois se acalmou enquanto tentava entender o que estava acontecendo.
Lembrou-se da fumaça que tomou uma forma humana e disse coisas que agora não faziam muito sentido. Então, ela foi tocada por aquele ser e sentiu-se terrivelmente fraca. Será que isso havia sido o suficiente para mata-la? Não queria acreditar nessa possibilidade.
Sua versão mais nova começou a falar.
Aos poucos Felia entendeu onde estava e o que acontecia. Aquela sacada era na torre do quarto dos seus pais. Sua mãe costumava a levar até lá para mostrar o reino enquanto contava histórias sobre a sua fundação.
Quando ela olhou para o lado lá estava a sua mãe. Exatamente como Felia se lembrava. Uma mulher de postura firme e ao mesmo tempo amorosa. Kalamis aproximou-se da pequena Felia e começou a falar. Contava uma de suas histórias favoritas. Felia adorava quando sua mãe encenava as lutas que o Primeiro Rei travara. A Rainha fazia sons com a boca enquanto cutucava a barriga de Felia com a ponta dos dedos fazendo-a contrair com cócegas a cada golpe falso. Ela chorava de rir e sempre que uma história terminava pedia para sua mãe contar outra.
Enquanto a Felia atual assistia a cena, invisível a todos, a lembrança se desfez.
Na segunda lembrança ela se viu aos sete anos de idade ao lado da sua mãe no salão de festas. Kalamis vestia uma armadura folheada a ouro com detalhes prateados e pedras preciosas incrustadas enquanto repreendia a pequena Felia por ter elogiado a armadura. Dizia que a função de uma armadura deveria ser mantê-la segura e não indicar a todos os inimigos quem era o alvo prioritário. Após o sermão sua mãe deixou o salão para trocar de armadura.
Até o fim da lembrança a pequena Felia ficou sentada no chão com a cabeça baixa.
A Felia atual lembrava perfeitamente da armadura que sua mãe usou naquela batalha, feita do mesmo metal que as armaduras dos demais soldados. Estava cravada em sua mente a imagem da armadura quase inteiramente amassada e com partes faltando após a batalha. Sua mãe agia como se estivesse perfeitamente bem. Só agora ela entendia que era impossível uma armadura ficar naquela condição enquanto o usuário permanecia intacto.
A segunda lembrança se desfez.
Na terceira lembrança Felia se viu aos onze anos de idade ao lado de fora do quarto dos seus pais junto de alguns empregados e soldados.
Seu pai havia acabado de entrar no quarto e trancado a porta. Sua mãe estava lá dentro, descontrolada.
Felia ouvia o barulho de objetos pesados sendo arremessados enquanto sua mãe gritava histericamente. Minutos depois seu pai saiu do quarto com um sangramento na testaacima do olho direito e algumas marcas de arranhões pelo corpo. Ele abraçou a Felia de onze anos e começou a chorar enquanto dizia algo bem baixinho no ouvido da garota para que só ela pudesse escutar.
Montero disse que seu maior medo havia se tornado realidade. Sua mãe dera os primeiros sinais da maldição da sua linhagem. A Felia de onze anos não sabia naquela época o que ele queria dizer.
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Deuses do Além
AdventureKlaus estava prestes a ser morto por um arqueiro misterioso quando uma chuva de laminas afastou o inimigo. Uma figura coberta por um capuz apareceu na entrada do beco, onde antes estava o arqueiro, completamente encharcada pela chuva. Quando olhou n...