Sábado - 1

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PAUL

Neste momento, meus pais acham que estou dormindo no sofá da casa do meu melhor amigo, Trig, aconchegado e protegido no silêncio do subúrbio. Ao mesmo tempo, os pais de Trig acham que ele está na cama de cima do beliche do meu quarto, dormindo tranquilamente depois de uma noite sem graça jogando videogame e assistindo à televisão. Na verdade, estamos no Castro, em uma boate chamada Happy Happy, nos acabando na gigaytesca festa de abertura da Semana do Orgulho Gay de São Francisco. A galera toda está presente hoje, respirando e dançando ao som do arco-íris. Trig e eu somos menores de idade, temos pouca experiência, estamos com roupas inadequadas para a ocasião e totalmente encantados pelo cenário ao nosso redor. Trig parece meio assustado, mas tenta disfarçar com sobrancelhas arqueadas e uma cortina de fumaça de sarcasmo. Se alguém de quem não gosta se aproxima, ele segura minha mão fazendo parecer que está acompanhado, mas, em qualquer outra situação, as mãos ficam bem longe. No contexto do nosso relacionamento, isso faz todo sentido: somos só amigos, exceto pelos momentos em que, ops, somos mais que só amigos. Não falamos sobre esses momentos, e eu acho que Trig acredita que, se não falarmos sobre eles, significa que não acontecem. É isso que ele quer.

Eu não sei o que quero, então basicamente vou dançando conforme a música.

Foi ideia minha vir, mas eu jamais conseguiria ter vindo sem Trig ao meu lado. Sempre andei sozinho pelos corredores da escola, vivendo minha vida fora do armário, do mesmo jeito que vivia antes de todo mundo (inclusive eu) saber. Só que agora estamos na última semana do segundo ano, e pareceu a hora certa de dar aquele salto de 45 minutos até a cidade. "Doces 16 anos e nunca se arriscou", é assim que Trig chama minha vida — como se saísse escondido muito mais que eu. Por sorte, aparento ser mais velho, a ponto de o treinador de um time adversário uma vez pedir para ver meus registros e assim ter certeza de que eu não era um impostor com idade de universitário. Não tenho identidade falsa nem nada, mas em um lugar como o Happy Happy na primeira noite do Orgulho Gay, não havia muita chance de verificarem. Só tivemos de fazer cara de quem sabia o que estava fazendo, e isso bastou para entrarmos.

Fiquei um pouco surpreso quando Trig disse que viria, porque ele insiste que ser gay "não é da conta de ninguém". Onde eu me encaixo nessa história, não tenho muita certeza. Tem vezes que quero sacudi-lo e dizer: Cara, eu sou o jogador de beisebol com os amigos atletas, e você é o poeta sensível que edita a revista de literatura. Não devia ser eu a ter medo? Mas aí penso que não estou sendo legal, ou ao menos compreensivo, pois Trig precisa descobrir as coisas sozinho. Não existe forma de descobrir as coisas para outra pessoa. Mesmo que seja o melhor amigo em quem você sempre acaba dando uns pegas.

Está bem escuro e não tem muito espaço para se movimentar. Estamos recebendo muitos olhares predadores de outros caras. Quando eles são bonitos, acho que Trig gosta. Mas eu me sinto estranho. Conhecer uma pessoa nova não foi o que me motivou a vir, embora talvez tenha passado pela cabeça de Trig quando ele disse sim. Tem alguns caras na festa que lembram meu pai se usasse roupa de couro, e tem outros que parecem estar ensaiando para selfies. As frases de todo mundo se chocam e formam um barulho absurdo, e meus pensamentos se sobrepõem tanto que só o que consigo sentir é a intensidade deles.

As festas às quais já fui aconteceram em porões e ginásios de escola. Agora, parece que entramos em um mundo mais amplo e ao mesmo tempo mais estreito. Robyn está cantando sobre dançar sozinha, e as pessoas movem os corpos em sintonia. Não são as pessoas com quem costumo sair. Não estamos na sala de jogos do Brewster, assistindo a um jogo do Giants. Não é uma galera que toma cerveja. Todo mundo aqui toma drink.

Não estamos exatamente no bar nem na pista de dança. Trig parece prestes a dizer alguma coisa, mas um homem com uma câmera se coloca na sua frente e me pergunta quem sou eu. Ele não aparenta mais que 30 anos, mas tem cabelo bem grisalho.

À Primeira Vista (Ellister)Onde histórias criam vida. Descubra agora