Prologue: Houston.

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[nota]: olá terráqueos! aqui estou eu com mais um romance, espero que gostem e não se esqueçam de checar a playlist da história!


Estou cansado desse lugar
Espero que as pessoas mudem
Eu preciso de tempo para substituir aquilo que eu dei (...)
— Fools, Troye Sivan.

Houston, Texas, Estados Unidos.

[Sexta-Feira, 2014]

O clima gélido daquele inverno rigoroso atinge os braços desnudos da garota. Sua pele negra está repleta por pequenas bolinhas que se formam devido ao frio. Ela tenta inutilmente esfregar suas palmas pelo corpo para se manter aquecida, mas sabe que não será o suficiente.

De qualquer maneira aquela não é sua maior preocupação no momento. Sua mente está tão enevoada quanto o caminho a sua frente e sua visão semelhante ao vidro dos poucos carros que se encontram estacionados na rua deserta. Tudo o que há por perto é o pequeno estabelecimento pelo qual ela acabou de atravessar as portas se sentindo mais do que nunca: humilhada.

Veja bem, quando se é uma garota negra no país onde houve uma das mais famosas segregações raciais, você eventualmente se acostuma com esses pequenos episódios que te lembrarão todos os dias a cor da sua pele. Mas acontece que a última pessoa na qual Nataly esperava isso era ele. Justamente ele. Agora, seu coração é semelhante a tela de seu telefone que se espatifou naquela manhã e seus olhos escorrem lágrimas tão constantes quanto a neve incessante daquele dezembro.

Ao virar a esquina, ela assiste todas aquelas imensas e detalhadas decorações de natal nas casas das típicas famílias brancas e os inveja um pouco, afinal, eles teriam ao menos uma família reunida para os apoiarem acima de qualquer coisa. Para a Hamilton, ela sabe que brevemente terá de esconder suas lágrimas, empurrar aquele bolo na garganta, ignorar sua dor no peito e fingir que nada daquilo aconteceu.

[...]

Na área onde Nataly mora tudo é diferente. Não tem casas grandes, varandas iluminadas, tampouco o brilho esperançoso no olhar das pessoas. A brisa gélida bate em seu corpo exposto mais uma vez, porém não há prédios e casas altas que possam cercar o vento que corre em sua direção. Tudo é triste, melancólico e a garota não se recorda de quando as coisas se tornaram assim. Sua vida semelhante a aquele clima vazio, cinzento e sem graça, com uma sombra de escuridão e a chuva que sempre ameaça cair de seus olhos.

Vejam bem, isso não é só sobre Cole e sobre o modo como ele a tratou, é mais que isso, é sobre a manhã que ela acordou e simplesmente percebeu que não tinha mais pelo que lutar, não tinha mais o que fazer, nem em quê acreditar. É sobre o dia que ela percebeu não ser nada mais que uma migalha irrelevante dentro de sua própria casa. É sobre o dia que ela concretizou que não conseguiria realizar nenhum de seus sonhos bobos.

Ela sabe que está chegando o momento do fim, de alguma maneira ela sente aquilo em seu âmago. Por mais que tenha prometido a si mesma que não vai mais ser assim, por mais que ela mentalize que sim, dessa vez ela vai conseguir se controlar, no fundo ela sabe que não consegue. E, sinceramente, ter medo do que ela pode ser capaz é o que mais a assusta.

A solidão bate ainda mais forte quando ela alcança o primeiro degrau de seu casebre - se é que ela ainda pode chamar de seu. Sua mão se ergue lentamente até que ela consiga alcançar a porta de madeira, o local parece barulhento lá dentro e tudo isso aumenta a sensação de choro em seu peito. Como todos parecem uma família sem ela. Como ela parece um estorvo assim que sua mãe abre a porta.

As coisas costumavam ser diferentes quando eram apenas as três, ela sua mãe e sua irmã mais nova. Porém quando eles chegaram tudo mudou. Um antigo namorado de sua mãe se mudara para sua casa com as duas filhas, que trataram muito bem de tornar a vida de Nataly um inferno. Coisa que já não era difícil.

Mais uma vez, ela chega sem tentar ser notada, mas de nada adianta. Sua mãe logo despeja um mar de xingamentos sobre suas costas. Palavras depressiativas que só servem para tornar a garota ainda mais triste e desanimada com sua existência.

Tudo o que se passa a seguir é como um flash, mais do mesmo que se repete todos os dias. Duas irmãs a tratando como um lixo que não merece se quer um prato de comida. Explorações, desaforos e xingamentos por nada. Nataly só precisava chegar e deitar a porra de sua cabeça em um travesseiro para chorar, mas é impedida como sempre.

Então tem mais um de seus surtos, só que dessa vez ela não tem controle. Suas unhas se tornam garras afiadas quando a morena vem outra vez para cima dela, ela está cansada de apanhar calada e de aturar todos esses abusos simplesmente por medo de não ter um lugar para morar. Ela rosna para a mais velha e arranja essa força descomunal arrancando sangue da pele da garota, suas unhas praticamente desfiam sua derme e lágrimas passam a jorrar dos olhos da outra, quase como se estivesse surda, Nataly não consegue ouvir os gritos ensurdecedores de Anne, tampouco quando o restante da família surge na porta de seu quarto para tentar afastá-las.

Cega por seus sentimentos raivosos, ela não percebe quando a garota acerta a parte traseira de sua cabeça na quina da porta, tampouco quanto os gritos ficam mais intensos ao passo que a garota cambaleia para trás segurando sua nuca. Há sangue em suas mãos e ela chora copiosamente, mas tudo o que Nataly sente é a ira. A necessidade de descontar toda a sua raiva reprimida em alguém.

Ela não sabe como chegou a isso, só sabe que agora está chorando isolada em seu quarto enquanto todos na sala consolam a que ficou visivelmente mais machucada. Fisicamente. Nataly observa as unhas pintadas de vermelho e os fios de cabelo em suas mãos, sua cabeça pesa mais do que nunca e ela se encontra tremendo e suando frio. Ela se sente na merda de um conto clichê da Disney, mas a diferença é que fadas madrinhas e príncipes não existem para garotas como ela e Cinderela não teria coragem de fazer o que ela está prestes a fazer.

[...]

Darcey Smith sempre foi nada menos que seu ponto forte. Foi a amizade que a manteve literalmente viva até o dia de hoje, a ajudando de maneiras inigualáveis mesmo com coisas que estivessem fora de seu alcance. Mas quando se trata de problemas como os que Nataly enfrenta, apenas uma pessoa não é o suficiente para evitar uma tragédia. A negra sabia daquilo, ela sabia que não podia responsabilizar sua amizade por toda uma vida de merda.

Smith é extremamente consciente sobre tudo o que está acontecendo na vida da garota e sabe que não conseguirá proteger a garota de tudo e por toda a vida, portanto, ao receber aquela mensagem, não é realmente um espanto.

Nataly [09:00 PM]: Pode me encontrar naquele lugar?
quero me despedir

Darcey [09:01 PM]: Você vai
realmente seguir com isso?

Nataly [09:03 PM]: Sim, as coisas têm se tornado demais,
eu não estou suportando mais.
Por favor, você pode vir?

Darcey [09:05 PM]: Apesar de ficar triste,
eu compreendo.
Estou saindo de casa :(

Consternada, Nataly pega o primeiro papel que encontra em sua frente. As lágrimas embaçam seus olhos enquanto ela consegue rabiscar algumas palavras para sua mãe. Ela ainda a ama, claro, e sua irmã também, mas está simplesmente cansada de se sentir engasgada com toda essa situação. Parece extremamente egoísta de sua parte o que ela está prestes a fazer, mas tudo o que a Holland quer é deixar de ser um estorvo para todos ao seu redor.

Com os estudos recém acabados, sem um emprego fixo, sem uma perspectiva de vida, sem nada...

Ela apenas sente que não pode mais continuar nessa situação sufocante.

[...]

Quando ela finalmente chega ao lugar demarcado e encontra Darcey lhe esperando, a garota desaba novamente. O mundo pode ser assustador quando se vive por si só. Corre em direção a Smith e lhe abraça com uma força descomunal, tentando passar assim todo o sentimento de saudades que ela sabe que existirá.

De qualquer forma, aquilo era o que a garota estava decidida a fazer. Então a negra quebra o aperto mais que depressa, antes que aqueles sentimentos fraternos lhe faca perder o voo. Darcey também se encontra aos prantos, mas sabe que seria egoísmo de sua parte pedir que ela ficasse. Com lágrimas nos olhos Nataly assiste tudo aquilo se afastar e a cidade na qual viveu por toda a sua vida, se distanciando pelo que viria a ser um longo tempo.

Como ela sobreviveria sozinha? Onde ela encontraria forças para lutar? Com quem ela jogaria conversa fora? Perguntas essas que rodeavam sua mente, mas só o futuro lhe responderia...

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