Selo

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No capítulo anterior

"— Emma causou uma grande tormenta, por causa dela muitas vidas inocentes foram tiradas, por causa dela todos vocês foram amaldiçoados a perambular pela eternidade sem um real propósito, por causa dela, você — Olhou para Connor. — Você foi amaldiçoado a nunca conseguir o seu verdadeiro amor. E você o mesmo, já que por causa dela Mary Ann dará à luz e morrerá!

Archie balançou sua cabeça de um lado para o outro, sua espada tão baixa quanto a de Connor agora."

Melth, Irlanda, Novembro de 1847

O rosto de Archie se transformou, os seus olhos inflamados de ira que outrora me trouxe medo, agora estavam tomados por medo e receio. Ele sabia que a bruxa era poderosa, sabia que ela seria capaz de tal façanha e naquele momento eu soube que ele não daria mais nenhum passo em sua direção com o intuito de atingir a mulher.

Connor, por outro lado, parecia cético. Ele me olhou por breves instantes antes de empurrar sua espada na bainha, um leve sorriso de escárnio em seus lábios rosados.

— Até mesmo você, bruxa, não se deixaria levar pela vingança e causaria mal a uma mulher inocente e indefesa logo após dar à luz. — Vejo quando ela cruza os braços em suas costas, erguendo o rosto para que ele fosse capaz de enxergar a verdade em seus olhos. — Você não teria coragem, ou teria?

— Não sou eu a quem você deve culpar, meu jovem. A mulher responsável por toda essa desgraça adentrou em minha humilde casa, roubou alguns dos meus valiosos pertences e invocou a deusa para si, sendo ela, a deusa Morrighan, que a amaldiçoou. Todas as pessoas relativamente próximas a Emma foram amaldiçoadas a viverem uma vida de provação, tristeza e mágoa eterna. — Ela olhou para mim, como se para provar o seu ponto. — Sophie está aqui, no corpo da megera, porém a sua alma é doce e pura, o que nunca Emma poderia ser.

Connor mais uma vez olhou para mim, enxergando-me por trás do corpo de Emma. Pela primeira vez neste tempo ele sabia que eu não era ela, e o medo que apertou o meu coração sobre a sua reação estava ali presente, mais forte do que nunca. Sinto como se algo estivesse rastejando em meu estômago e uma agonia sinistra me pega desprevenida.

— Então o seu nome é Sophie, e você está no corpo de Emma McDonald?

Balanço minha cabeça, incerta sobre a minha resposta. Porém, a bruxa havia sido taxativa ao dizer-lhe a verdade. Eu não sou Emma, apenas tinha me apossado do seu corpo para tentar impedir aquela maldição de continuar. A missão havia sido dada a mim, uma vez que as outras duas almas, aparentemente, não tiveram chances de vencê-la.

— E onde diabos está Mary Ann? Por que você está no corpo de Emma? Onde está Emma? — A voz de Archie me lembrou que ele estava conosco, quebrando os poucos instantes - que pareceram uma grande eternidade - em que eu e Connor nos encaramos. Eu com medo e ele com uma urgente necessidade de reconhecimento.

— Emma está atualmente no corpo de Sophie no futuro. Após a sua morte, Emma vagou durante séculos para enfim conseguir se apossar do corpo de Sophie, o quarto fragmento da sua alma, a parte mais pura que ela nunca desejou criar. — Eu olhei de relance para a bruxa me questionando se todo esse tempo ela já sabia que tudo isso iria acontecer. A minha resposta foi clara, uma vez que ela é uma bruxa e provavelmente poderia visualizar com clareza o futuro, passado e presente.

— Por que Emma está no seu corpo? — A voz de Connor me desconcertou. Não imaginei que ele fosse dirigir suas palavras para mim, pelo menos não por agora.

— Em um momento de fraqueza eu a deixei entrar, ignorante do seu poder e de sua presença. Ela se apossou do meu corpo e me jogou no que imagino ser o limbo, uma vez que eu apenas pude assistir às suas ações em uma perspectiva inanimada.

Archie parecia terrivelmente irritado agora. Não faço ideia se ele acreditou em nossas palavras, mas a forma como o seu peito infla me disse que ele possivelmente fosse capaz de explodir. Connor suspirou pesado, tocando-o em seu ombro.

— Eu acredito nelas. — Foi a sua última palavra. Ele olhou para a bruxa com pesar estampado em seu rosto, um misto de emoções que me fizeram entristecer gradativamente. — Por favor, nos perdoe por tudo o que dissemos. — Pediu a bruxa, ajoelhando-se em uma perna, sua cabeça baixa, os cabelos acobreados caindo para frente. Archie por um momento se assustou com a postura do seu irmão mais velho, entretanto, vendo que não havia mais saídas, repetiu o seu gesto. Os cabelos dourados pendiam para frente no exato momento em que a bruxa soltou um sorriso satisfeito.

Então, aquela era a minha missão de fato? Impedir a sua morte pelas mãos daqueles grandes homens?

O silêncio que se deu a partir daquele instante foi um tanto incômodo, dado ao fato de que os meus nervos pareciam ondular embaixo da minha pele. Quando a bruxa fez um gesto para que os dois homens se levantassem, ela puxou uma tigela de cerâmica, quebrada nas bordas e com um líquido gosmento verde, enfiou os seus dedos dentro, sujando-os no líquido. Ambos, Connor e Archie, arregalaram os olhos, amedrontados com o que ela poderia fazer. Contudo, quando a bruxa se aproximou deles com os seus dedos sujos, fez um símbolo em suas testas que não fui capaz de decifrar, recitando algumas palavras em uma língua antiga. No fim, ao deixar a tigela em uma pequena mesa velha ao lado, estendeu sua outra mão com a palma virada para cima e aguardou. Connor e Archie se entreolharam como se estivessem procurando respostas um no outro.

— Tudo bem, eu vou. — Archie disse, pegando a mão da bruxa e lambendo a sua palma. Ela então voltou seus olhos para Connor quando Archie havia se afastando com um passo para o lado.

— Depois disso a minha vida voltará ao normal? — A bruxa não lhe respondeu, apenas meneou sua cabeça dando a ele um sim silencioso. Com coragem, Connor repetiu o que Archie havia feito, dando também em seguida um passo para o lado.

— Vocês estão livres e protegidos a partir de agora. A maldição não poderá lhes atormentar nem mais um dia. Estão livres! — Archie pareceu respirar aliviado.

— E quanto a Mary Ann?

— Ao selar a maldição de Emma McDonald em vocês, também selei a maldição em Mary Ann, ela está livre, consequentemente lhe espera para salvar-lhe de um possível casamento arranjado com o noivo de Emma, já que Sophie está aqui para salvar a todos nós.

Os olhos de Connor caíram novamente sobre mim. Me questionei se ele acreditava que eu sou uma grande aberração, algo mantido por uma maldição. Talvez ele sentisse repulsa do que eu era. Afinal de contas, estou no corpo da mulher que ele ama. Todas as minhas expectativas foram bruscamente freadas e frustradas. Naquele segundo entendi que Connor jamais pudesse me olhar como Sophie, ele sempre me olharia como uma alma que possui o corpo de Emma McDonald.

— Vocês já podem ir. — A bruxa sibilou, sorrindo. Ela parecia contente por termos colocado um fim naquela maldição.

Archie não esperou mais nenhum segundo para virar suas costas e sair da choupana da bruxa. Connor, por outro lado, me olhou curioso, incerto sobre toda a minha história, suponho. Passaram-se longos segundos enquanto eu tentava manter o seu olhar no meu, buscando qualquer brecha para enxergar um resquício de sentimentos da sua parte, e nos poucos instantes em que nos encaramos não fui capaz de captar absolutamente nada parecido com o que tínhamos feito em seu quarto. Connor ama Emma com todas as suas forças, não Sophie.

No passo em que ele nos deu as costas, notei a mão limpa da bruxa tomar a minha mão. Olhei para o seu rosto, buscando entender o que seria feito de mim a partir de agora.

— Nos resta apenas destruir Emma, querida. — Ela disse, indicando com sua cabeça a mesa velha ao lado de uma lareira feita de pedras, que estranhamente estava acesa. Eu não havia sentido o calor do fogo irradiando pelo lugar durante todo o tempo em que estive aqui.

— Eu... — Minha voz sai incerta, meus olhos alternando entre a bruxa e os passos deixados para trás de Connor. — Eu...

Ela tem um leve rubor em suas bochechas ao soltar minha mão, indicando-me a saída.

— Não demore, — Pediu. — Temos algo que precisa ser feito e não podemos deixar tardar.

Balanço minha cabeça confirmando, sabendo que não levaria mais do que alguns minutos para retornar. Eu precisava olhar no fundo dos olhos de Connor bem de perto para saber se ele algum dia poderia me enxergar de verdade.

Laoch, Amor além do tempoOnde histórias criam vida. Descubra agora