Funciona como se você estivesse sendo tragada por uma máquina sugadora. Rápido, porém, ao mesmo tempo, não tão rápido assim. É uma dor estranha, algo como milhões de picadas de abelhas, como se alguém estivesse espetando o meu corpo inteiro com dezenas de agulhas, e então, antes que eu fosse capaz de notar, não sinto mais nada.
Eu vi a minha alma fora do corpo antes que fosse capaz de sentir realmente. É uma sensação estranha, uma vez que você pode observar o seu próprio corpo vagando por aí, com a alma de outra pessoa e não ser capaz de fazer nada sobre isso.
Emma estava em meu corpo. Ela sente a minha presença, mas ela não dá a mínima. Eu vejo como ela age em torno de Connor e dos meus amigos, eu vejo como ela é agressiva e incrivelmente arrogante, eu vejo como ela é o oposto do que eu sou e me pergunto o por quê fui escolhida para herdar a metade da sua alma.
Mesmo nesse estágio de inércia, sou capaz de fazer algumas reflexões profundas. Talvez Emma seja a minha parte obscura que tento desesperadamente colocar para baixo. Talvez eu seja a parte boa dela, a parte que ela repugna e a parte que ela coloca para baixo. Mas o meu maior questionamento é por qual motivo Connor se apaixonou por ela no início de tudo. Eu nunca tinha pensado naquilo até aquele instante. Eu tinha uma ideia do motivo que o fez se interessar por ela no começo, afinal, Emma era uma bonita mulher de curvas sinuosas e olhar desafiante. Ele se sentir atraído foi algo inevitável. Mas e depois? Depois de tudo isso, por quê? Por que ela?
De longe, assisto quando Emma e Anne estão conversando na sala de estar, Anne parece preocupada com a minha saúde, alega que toda essa viagem atemporal tenha provavelmente mexido com o meu organismo, ou que, pior, eu tenha contraído alguma doença do século dezenove.
— Talvez seja algum vírus da época, tenho certeza que com a nossa medicina tudo ficará bem. — Vejo a forma como Emma revira os olhos ao ouvir Anne, mas eu sou a única que nota.
Sinto algo como dor, não sou capaz de identificar, mas, aparentemente, essa merda que Emma está fazendo com as pessoas que eu amo me machuca. Eu gostaria de poder voltar ao meu corpo, de expulsar Emma e acabar de uma vez por todas com essa maldição terrível. No entanto, eu ainda estou aqui, observando-as de longe sem poder algum de mudar o presente drástico que me encontro, com os sentimentos e sensações misturados; meus e dela.
Emma olhou ao redor como se estivesse buscando algo ou alguém, eu, muito provavelmente. Eu sei que ela me sente, sei que reconhece a minha parte latente e pulsante misturada com a parte fria e que parece queimar, a parte dela. Mas, de alguma forma estranha, mesmo eu estando parada na sua frente, ela não consegue me enxergar, isso torna as coisas ainda mais curiosas.
Por que você não consegue me ver?
— Ou talvez ela esteja possuída. — Vejo Archie questionar, entornando o líquido âmbar e de cheiro forte dentro de um copo no bar. Connor olhou para ele, questionando-o silenciosamente.
— Que besteira é essa? — Anne riu, se levantando e caminhando em direção a Archie. Ela o abraçou por trás, se aconchegando em seu corpo grande. Connor deixou um leve sorriso pular fora com a proximidade dos dois. Eu também o fiz. Emma parecia enojada.
Curioso...
De repente, foi como se todas as vozes tivessem sido silenciadas como se alguém tivesse apertado um botão em um controle remoto. Tudo ao redor tremeu, um tom obscuro e azulado tomou conta do local e o frio se instalou. Eu vi o vento forte que balançou as cortinas da sala, vi quando Anne pareceu ter reclamado do frio, vi Archie abraçá-la e vi Connor se levantar para fazer o mesmo comigo... com ela na verdade. Mas nenhum deles foi capaz de ver a escuridão e a luz azulada em torno da sala. Pareceu um cenário, ou quando nos filmes eles nos apresentam uma passagem do tempo e nós como telespectadores estamos assistindo a alguma lembrança. Eu me senti assistindo Harry Potter vendo as lembranças de Snape na Penseira.
— Ela não pode ver ou sentir você. — Eu pulei assustada com a voz macia ao meu lado. Quando me virei, a bruxa de Thavefell que outrora havia se apresentado para mim, agora estava parada bem próximo ao meu corpo observando assim como eu a cena se desenrolar com Emma no centro de tudo. — Agora ela está em seu corpo e é uma mortal, como você foi.
— O que está acontecendo comigo? Eu estou morrendo? — Ela riu, uma risada rouca e ao mesmo tempo sedutora. Os seus cabelos esvoaçando ao redor do seu rosto, um olhar azulado com alguns toques místicos que imitavam um fogo azul. Naquele momento eu me questionei quem era do bem e quem era a peça ruim dessa história.
— Você está em inércia, sua alma está fora do seu corpo e ele foi tomado por outra alma. Essa é uma antiga magia do nosso clã, mas é conhecida como uma magia negra e extremamente proibida entre nós. — Ela olhou para a cena a nossa frente, seu olhar diretamente em Emma. — Ela esperou o momento exato em que sua guarda estava baixa e você estava fraca. Emma foi corrompida e não existe nenhuma saída para ela. Ao usar os três encantamentos proibidos, é como uma sentença para a morte. Com o passar dos séculos após a primeira magia negra, a sua alma foi se tornando escura e maligna. Não existe nenhuma saída para ela mais.
— Ela usou esses três encantamentos? Quais são eles?
— Oh, sim, ela usou os três. Nas três fases, você foi o último e mais severo encantamento. — Piscou. — Primeiro; — Ao levantar sua mão direita, um nevoeiro começou. Uma pouca fumaça pairava por todo aquele breu, em seguida, foi se condensando, sendo quase impossível enxergar o meu próprio corpo, para então, finalmente, uma cena se formar bem diante dos meus olhos, só então pude notar que naquela cena estava Emma, a primeira alma. — Ali está ela, veja... — A bruxa sussurrou em meu ouvido, no momento em que a cena se desenrolava em minha frente.
Nela, vejo Emma, segurando um pergaminho enquanto se preparava para um tipo de sacrifício. Seus lábios se moviam de forma acelerada, como se ela estivesse repetindo as palavras que via. Os seus olhos estavam vidrados, e o pequeno gato persa estava morto a sua frente. O sangue escorria pelo chão, indo em direção ao que parecia um desenho celta riscado no chão terroso. Emma tinha uma veste branca esvoaçante, semelhante a uma camisola, os seus cabelos estavam desgrenhados e algumas folhas se desprendiam de algumas mechas.
— O que ela está fazendo? Qual é esse encantamento? — Pergunto assustada, observando-a. A bruxa parecia tão apreensiva quanto eu. — Por que ela sabe sobre esses encantamentos?
— É um ritual de juventude eterna. Aquele pergaminho é pura magia negra e Emma o encontrou em minha cabana. — Eu olhei para a bruxa novamente, me questionando sobre o motivo de Emma estar em sua cabana. — Esse encantamento foi proibido até mesmo para os mestres mais poderosos e influentes da nossa época.
— E como Emma sabia sobre ele? — A bruxa sorriu, como se fosse uma pergunta estúpida.
— Você nunca sonhou com a juventude eterna? Não é somente no seu século que as jovens se preocupam com sua aparência. — Debochou, balançando os seus cabelos ressecados ao redor. — Emma foi uma jovem bastante curiosa, naquela época eu não pude estar tanto em minha casa, a igreja estava caçando todas nós. Ela aproveitou esse fato e entrou em minha casa para procurar mais sobre feitiçaria, acredito que já com o intuito de encontrar a juventude eterna.
— Oh meu Deus. — Me sinto ainda mais assustada. Algo em meu peito inanimado pareceu queimar.
Emma é a pior pessoa que eu poderia conhecer....
Continua...
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Laoch, Amor além do tempo
RomanceTransportada para uma época em que mulheres são submissas aos homens e guerras iminentes ameaçam a paz, Sophie se encontra em um mundo estranho, casada com um homem enigmático que acredita que ela é a reencarnação de sua amante perdida. Segundo Conn...