Regressão: A quebra do espelho

O preço de um segredo

— Amanhã iniciaremos seu treinamento, então hoje fique e conheça sua nova família.

Aygon fez como ordenado, e começou a andar enquanto cumprimentava todos.

Enquanto caminhava para a mesma arvore em que estava anteriormente, Boron teve sua calça agarrada por um de seus membros que estava sentado no chão envolta da fogueira.

— Você se animou muito com a ideia de treinar aquela criança, qual o motivo? — questionou Sam, o único membro dos Corvos de pele escura, sua cabeça não possuía um fio de cabelo e seus olhos escuros encaravam Boron.

— Vamos ter que ficar um bom tempo aqui, preciso me ocupar com algo não é mesmo?

Sam deu uma gargalhada bem alta, logo em seguida soltou a calça de Boron e com um sorriso destacando seus belos dentes brancos murmurou — Me pergunto, qual é o tamanho do potencial que você enxergou naquela pequena criança.

Boron piscou para seu companheiro e seguiu seu percurso.

Os dias foram se passando e Aygon criou uma rotina para si mesmo. Todos os dias ele brincava a tarde com Karen e Arthur, e a noite partia para casa dos mercenários. Lá ele recebia um treinamento intenso com Boron e após sentava-se em volta da fogueira para escutar as histórias dos deuses de Holow, que Sam adorava contar.

— Hoje eu vou contar para vocês a história do deus Helox – disse Sam — Mas para falar de Helox preciso mencionar seu maior rival, o Dragão do mar Fyun.

Ao ouvir a palavra dragão os olhos de Aygon brilharam.

— Já ouviu falar sobre ele Aygon? — perguntou Sam, ao ver a expressão da criança.

— Não, me conte por favor.

— Fyun é um imenso dragão do mar, ele é temido por piratas, quase todos seres vivos que vivem submerso são seus servos. Certo dia, Fyun dizimou um pequeno clã de sereias rebeldes, e aprisionou sua líder nos covis de seu castelo. É neste momento que entra Helox, o deus do amor, a sereia aprisionada era sua amada, então para salva-la das garras do tirano, Helox invadiu o castelo de Fyun sozinho, enfrentou todo o exército de monstros até chegar em seu oponente. Já cansado por conta das lutas anteriores Helox perdeu o combate, porem conseguiu escapar quase sem vida.

Entre os membros que escutavam a história de Sam estava Jason Grondon, um jovem de 15 anos, depois de Aygon era o membro mais novo do grupo, ele possuía cabelos ruivos e a pele bem clara, olhos castanhos, e pequenos fios de barba que estavam começando a nascer no seu bigode e em seu queixo quadrado.

As caras e bocas que Jason fazia ao escutar a história veio a incomodar Sam, que se prontificou.

— Você está com algum problema pirralho?

— Não, o único problema é você implantar falsas verdades na cabeça de uma criança — Retrucou Jason com um tom calmo porem desafiador.

— Você fala criança como se você fosse um adulto, seu pirralho — retrucou Sam

Ao se sentir ofendido Jason rapidamente se levantou com sua espada em mãos, e em resposta Sam fez o mesmo.

Aygon não estava gostando do rumo em que as coisas estavam tomando.

— Brigando com crianças Sam, que faze você chegou — disse calmamente Boron, chegando na hora certa.

— Longe disso, apenas queria assustar nosso pequeno invasor — respondeu Sam, virando as costas para Jason e voltando para seu lugar com passos de tartaruga.

— Já chega, estou cheio de todos aqui me tratarem como criança — gritou Jason perdendo sua compostura — Sam eu te desafio para um duelo.

Todos os mercenários direcionaram seus olhares para ambos, enquanto Sam lentamente virava seu pescoço para o lado, observando a fúria do jovem.

— Posso? — perguntou Sam, com os olhos  voltados para Boron.

— Tudo bem, mas com espada sem corte.

Após dizer as regras Boron se sentou ao lado de Aygon e sussurrou.

— Preste atenção nessa luta, guarde tudo que puder.

Em questão de instantes todos os mercenários estavam reunidos para assistir. Jason e Sam já estavam com as espadas em mãos e após o sinal de Boron, partiram um contra o outro.

As habilidades de Sam todos os mercenários conheciam, ele era o segundo mais forte do bando, porém não era ele que roubava a cena, Jason em seu primeiro duelo impressionava a todos com suas habilidades extraordinárias para uma criança de 15 anos.

— Você luta como uma mulherzinha — provocava Sam ao cruzarem as espadas.

Jason não falava uma palavra e se mantinha firme, sem ceder as inúmeras provocações. Porem havia algo que até mesmo Jason não conseguia aceitar, e sabendo disso Sam falou bem alto para todos ouvirem — Volte para sua terra podre, junto com seu falso deus.

Em fim cedendo as provocações Jason foi atacar despreparado, e antes mesmo de perceber sentiu a mão de Sam, acertando com tudo seu plexo solar, e o derrubando.

Aygon ficou impressionado com a habilidade dos dois, principalmente com a de Jason que era o mais próximo de sua idade.

— Que incrível — falou Aygon — mas eu não entendi por que eles lutaram.

— Crenças religiosas diferentes — explicou Boron —Esse simples motivo pode ocasionar grandes guerras.

Aygon sem entender muito bem, ficou observando seu mentor que se calou.

Os dias foram se passando e Boron se impressionava cada vez mais com o progresso de Aygon com a espada, deixando cada vez mais claro que o jovem era um prodígio. Quando se deram conta já haviam se passado dois anos desde que haviam chegado na aldeia.

Os aldeões e todos os mercenários viviam ali em harmonia e felicidade, Aygon havia criado laços mais que especiais com todos.

 Após se sujar  muito em um duelo com um dos mercenários Aygon entrou dentro da velha casa para se limpar, enquanto todos estavam lá fora. Cauteloso o garoto olhava para todos os lados e após não notar nenhuma presença retirou sua luva para lavar a mão. 

Bem no centro das costas de sua mão havia uma grande marca em formato de espiral.

O jovem tentando se limpar o mais rápido possível  porém não veio a perceber a entrada de seu mentor na casa, que o pegou desprevenido. Surpreso com a marca do jovem, Boron ficou calado, tempo suficiente para Aygon colocar sua luva novamente. Após alguns segundos em silêncio e sem reação, Boron soltou um enorme sorriso.

Um sorriso que fez com que Aygon acreditasse que aquele fosse o primeiro sorriso verdadeiro que Boron mostrou desde que chegou na aldeia, e sem falar nenhuma palavra para Aygon  Boron se retirou do local.

Na calada da noite logo após o jovem retornar para sua casa, os mercenários foram embora da aldeia em silêncio, deixando um enorme vazio no coração do pequeno garoto. 

 Se gostaram da leitura, por favor, votem e comentem ❤