Avião

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A viagem estava sendo mais longa do que o esperado. O rosto de Leonard voltou a sua mente, retorcido de mágoa e raiva. Pensava que era o que ele queria, que fosse embora, mas pelo visto havia deixado-o ainda mais irritado. Tinha entrado em sua vida com um propósito, reconquistá-lo, mas não tinha percebido que ele não era mais o Leo de antes. 

Com um suspiro de chateação massageou as bochechas, que doíam por causa dos tapas que havia recebido. Devia tê-lo deixado extremamente irritado para ter chegado ao ponto de lhe bater. Leonard não era agressivo e raramente ficava irritado.

Havia uma criança sentada no banco da frente que não parava de chutar a poltrona, atrapalhando seus pensamentos. Colocou os fones de ouvido, irritado com o barulho. Quando a música começou a tocar, Ethan fechou os olhos com força, sentindo uma dor de cabeça espalhar-se pela testa. Massageou as têmporas e respirou fundo. A dor não passou.

A criança começou a chorar. Mesmo com o volume no máximo ainda escutava os barulhos dela. 

Guardou os fones e o celular com irritação. Seus pensamentos voltaram novamente para o asiático. Talvez tivesse sido um péssimo namorado e tivera a chance de melhorar, mas Leo também não era mais o mesmo. Havia pensado que seria divertido ficar com ele, especialmente para mostrar-lhe quanta falta sentia do tipo de relação que tinham. Sempre haviam possuído uma conexão muito mais sexual do que emocional. Pensava que era o que ele buscava,  o fetiche que tinham em comum, mas Leonard mostrara-se bem mais sentimental do que antes, algo que lhe desagradou. 

O avião começou a tremer numa turbulência mediana que conhecia bem. Apertou os punhos nos braços da cadeira e a criança continuou gritando. Ao checar o trajeto do avião, percebeu que estava próximo à Madrid. Logo estaria no apartamento dele.

Tinha conhecido Tomás em uma exposição que fizera em Madrid. Naquela época não tinha dinheiro nem para comer e viu nele uma oportunidade de sobreviver na cidade desconhecida. Haviam flertado e tido vários encontros antes que se mudasse para o apartamento dele, que era 12 anos mais velho e colecionava arte. 

Mas Tomás era controlador, esse era o problema. 

E Ethan não gostava de ser controlado. 

Sua relação com ele era completamente diferente da que possuía com Leonard. Precisava agradá-lo, mimá-lo e satisfazê-lo. Ele malhava todos os dias e possuía cabelos grisalhos, mas tinha uma história complicada. Havia sido casado com uma mulher, uma pintora famosa. Às vezes a encontrava em algumas exposições e ela sempre lhe provocava de maneira maldosa. 

Tomás lhe sustentava, mas também ajudava na divulgação do seu trabalho e com suas exposições. Era grato a ele, mas era uma relação baseada no interesse e não no amor. Da última vez havia sido expulso após mais uma briga por causa de dinheiro e acusações de ser egoísta. 

A tal proposta de emprego nada mais era do que uma vaga de fotógrafo numa exposição conceituada. Quem havia lhe enviado as informações havia sido Tomás e, na mensagem ele também tinha escrito que sentia saudades e estava lhe esperando no apartamento. Tinha respondido em seguida, feliz por poder voltar à rotina daquela cidade que tanto amava após decepcionar-se com Leonard. 

E ali estava, naquele avião barulhento. Fechou os olhos com força, tentando livrar-se da dor de cabeça, mas os gritos da criança ficaram mais altos ainda. No mesmo momento a voz do piloto foi ouvida, dizendo que estavam próximos do aeroporto. 

Com um sorrisinho de alívio olhou pela janela. Estava chovendo. 

_____

No aeroporto, não havia ninguém para lhe recepcionar. Achou estranho, pois toda vez que viajava Tomás chamava um carro para lhe buscar. Mandou mensagens para ele que não foram respondidas.

Pegou um táxi no terminal movimentado e, no caminho, matou a saudade da arquitetura bonita de Madrid com o olhar. Logo  pegou a câmera e tirou uma foto da janela cheia de gotículas de chuva. Finalmente voltaria a fotografar naquelas ruas. 

Quando chegaram no prédio antigo e alto, pagou com o pouco de dinheiro que tinha e entrou no prédio. O segurança lhe reconheceu, ligou para o andar de Tomás e, após fazer uma careta e franzir o cenho, disse que Ethan podia subir.

Estar ali era reconfortante. Entrou no elevador com um sorriso largo. Sua vida voltaria ao normal em poucos segundos. De repente Leonard parecia um borrão do passado. Talvez não devesse ter feito tudo o que fizera, mas talvez agora ele pudesse se consolar e fazer as pazes com o ex-namorado sem graça, pensou com um sorriso sarcástico.

Saiu do elevador e, ao ver a porta do apartamento fechada, vasculhou a bolsa até encontrar a chave reserva que possuía. Entrou no lugar com o coração acelerado de alegria, pronto para abraçar Tomás, desculpar-se e fazer tudo o que ele quisesse. 

╾Tomás? -gritou, sorrindo, e fechou a porta

O apartamento estava escuro. Foi na cozinha, mas não havia ninguém ali. No banheiro também não. Percebeu algumas coisas fora do lugar, quadros novos pelas paredes e objetos de decoração recém comprados. Franziu o cenho e caminhou até o quarto.

A porta estava fechada. 

Ouviu a risada dele. 

Sorriu de olhos fechados e respirou fundo.

━Estou de volta! -abriu a porta e gritou num tom animado 

Tomás lhe encarou como se fosse louco, com o cenho franzido. 

Ele estava sem camisa, coberto apenas por um lençol. 

A cama estava desarrumada. 

Tomás olhou com nervosismo para o banheiro e Ethan seguiu seu olhar.

Madalena caminhou até Ethan com um sorriso triunfante no rosto. Vestia uma minúscula lingerie preta e no dedo da mão direita estava a aliança dourada de casamento. 

━O que está fazendo aqui?! -perguntou num tom irritadiço 

Ela lhe encarou com um sorriso debochado e ignorou sua pergunta.

━Tom, o que ele está fazendo aqui?

╾Eu não sei. -ele gaguejou com assombro

╾Recebeu alguma proposta de emprego? -Madalena sussurrou a pergunta para Ethan

╾Vim porque Tomás me chamou, disse que tinha uma vaga de...

Parou no meio da frase ao perceber que não tinha sido Tomás quem havia lhe mandado aquela mensagem. 

Tinha sido a ex-esposa dele, Madalena.   


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