Torta

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O atendente trouxe o bolo que tinham pedido. Colocou no centro da mesa e, com muito custo, disfarçou o olhar curioso ao afastar-se. Nenhum cliente antes havia pedido a torta inteira para comer no local. 

Ada girou a torta, estreitou os olhos e pegou a faca. Cortou uma fatia grossa para Alan.

━É um pedaço grande -ele murmurou, tentando não transparecer o quão nervoso estava.

Ada riu com divertimento e provocou:

━Acho que vai perder essa competição.

━Será? -falou sem confiança alguma

Alan tinha certeza de que ia perder, por isso estava suando tanto. O pedaço que ela tinha cortado era enorme e só de pensar em comer tanto doce o estômago começou a embrulhar. Tentou não arregalar os olhos ao ver o pedaço que ela iria comer. Quase a metade do bolo.

Apoiou o queixo na mão para evitar ficar boquiaberto.

Ada lambeu os dedos que sujaram de chocolate e deu uma piscadinha.

━Vamos começar então. A regra é simples: quem comer mais, ganha.

━Fechado -balbuciou.

Deu uma garfada, mais uma e outra. Enquanto isso ela comia mais rapidamente, fechando os olhos a cada mordida. Reparou nos traços delicados e ficou vermelho quando deu-se conta que estava olhando fixamente para os olhos castanhos. Ajeitou os óculos acima do nariz e continuou comendo em silêncio.

━Seu irmão é incrível. Um anjo! Inteligente, querido e fofo.

Alan riu com os elogios e deu mais uma garfada na torta. 

━Você tem irmãos? -perguntou para puxar conversa

━Sim, tenho um irmão mais velho. Ele mora na fazenda, meus pais construíram uma casa para ele lá.

━Ele não prefere a cidade? 

━Não, ele é veterinário, então adora cuidar dos bichos e ama a vida no campo. 

Alan assentiu, surpreso ao saber que a família dela tinha uma fazenda. 

O chocolate começou a encher seu estômago com rapidez, tanto que o açúcar começou a lhe deixar com um pouco de azia. Largou o garfo ao lado do prato e Ada arqueou as sobrancelhas.

━Ainda tem muita torta no seu prato -disse com divertimento.

Alan balançou a cabeça, derrotado, e empurrou o prato.

━Ótimo, sobra mais para mim.

Arregalou os olhos ao vê-la colocar o resto da fatia de seu prato no dela. E Ada não parecia nem um pouco enjoada. Saboreou a torta a cada mastigação, às vezes de olhos fechados, às vezes fazendo pausas para conversar.

━Estou chegando no meu limite.

A torta, outrora inteira, já estava pela metade. Ela inclinou-se para trás na cadeira e respirou fundo. Tomou um gole de café e relaxou na cadeira, como se estivesse cansada e satisfeita.

━Vamos dar uma caminhada? -Ada convidou

Alan sentiu as orelhas esquentarem. Deveria ter mais atitude, não? Até agora ela havia comandado tudo... Mas não sabia ao certo que tipo de relação teriam, se é que teriam alguma relação. Gostaria de conhecê-la mais e, ao olhar enquanto ela aplicava um gloss rosa (que tinha cheiro de melancia) nos lábios, percebeu que gostaria de beijá-la. Afastou os pensamentos rapidamente, constrangido.

━Vamos.

Ada levantou-se e pagou a conta, mesmo após Alan insistir para dividirem.

Pegou o paletó e carregou-o no braço. Ada deslizou um braço pelo seu e saíram da cafeteria de braços dados, numa proximidade aconchegante que fez o coração de Alan acelerar. Analisou os cabelos loiros, os olhos castanhos curiosos e quis segurá-la e beijá-las delicadamente. Havia beijado poucas mulheres ao longo da vida. Sempre estivera envolvido demais com os estudos para sequer pensar em namorar. 

Mas agora, ao vê-la tão próxima... Pensou que talvez pudesse dedicar-se a tentar ter uma relação com ela. O mínimo que podia receber era um não e, se esse fosse o caso, seguiria sendo seu amigo, se ela quisesse.

Percebeu que ela estava caminhando um pouco curvada e franziu o cenho com preocupação.

━Você está bem?

━Sim, só comi demais. Minha barriga está doendo.

━Estou impressionado com sua capacidade estomacal -murmurou, rindo. 

━Eu gosto de comer, não julgue. -resmungou e mostrou-lhe a língua

━Acho melhor eu te levar para casa então.

━Ótima ideia.

Um pouco decepcionado pela adesão rápida a sua ideia, levou-a até ocarro e dirigiu em direção à casa dela. Ada bocejou e dormiu ao seu lado. 

Nunca tinha estado num condomínio de casas antes. A dela era tão enorme que perdeu-se tentando contar o número de janelas. Com certeza as diferenças entre a família dela e a sua seriam muitas. Só tinha a mãe e Archie. Ela tinha pais e um irmão mais velho. E era rica.

Dirigiu em silêncio, perguntando-se se aquelas diferenças seriam um empecilho caso quisesse convidá-la para sair novamente (caso tivesse coragem para fazê-lo). Quando puxou o freio de mão ela despertou, confusa. Alan sorriu. 

━Chegamos.

━Obrigada, Alan.

Ada começou a abrir a porta mas parou. Sentou-se no banco e disse, mordendo os lábios e com um rubor nas bochechas:

━Gosto da sua companhia.

Alan ficou vermelho, engoliu em seco e deu um sorriso nervoso. Mas por fim falou:

━Você é uma ótima companhia. 

Então algo inesperado aconteceu. Ada riu alto, inclinou-se e beijou-o na bochehca demoradamente. Em seguida ela abriu a porta e saiu, caminhando até a entrada com um sorriso frouxo no rosto.

Alan ficou estático por vários segundos, sorrindo como um idiota e tocando a própria bochecha. Ainda podia sentir o calor dos lábios delicados dela e o cheiro doce do gloss de melancia.

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