12. Tacos genéricos

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É domingo e como combinado, organizamos uma espécie de cinema na casa do Isaac. São quase cinco da tarde e estamos na cozinha, esperando alguém trazer o restante dos ingredientes para o lanche.

— Até quando vamos ficar esperando? — encaro as horas no relógio que está em meu pulso.

— Eu não sei, mas estou morrendo de fome e se demorar mais cinco minutos, vou à lanchonete da esquina e compro hot-dogs para todos — Lilly reclama.

— Eu agradeceria — Isaac boceja.

— Afinal, quem ficou de trazer a farinha? — cruzo os braços.

— Hmm...

— Foi mal pela demora. — Ethan aparece na sala.

Me viro para o dono da casa e ergo as sobrancelhas esperando que ele me dê alguma explicação, já que pelo que parece, todos sabiam de quem se tratava, menos a tola aqui.

— Se eu contasse que ele estaria aqui, você não viria — sussurra.

— Contar agora não impede que eu vá embora — me viro e aceno para o moreno.

— Heaven.

— Relaxa, eu não vou — sorrio, seguindo até a bancada.

— Galera, só tem um problema — Ethan coça a nuca.

— Ethan... — Taylor levanta-se.

— Não trouxe a farinha.

— Como assim, não trouxe a farinha? — indago.

— Eu esqueci, oras. Tive um compromisso e vim direto para cá — balança os ombros, se jogando no sofá.

— O que vamos comer agora? — Chloe choraminga.

— Tacos genéricos — bufo, revirando os olhos. — Vamos dar um jeito.

Como a cozinha é americana, consigo encarar Ethan, ou melhor, uma parte de sua cabeça e pensar que ele acabou de estragar nossa noite por conta da sua indiferença com todos. Sinceramente, não sei o que ele ainda está fazendo aqui depois da bola fora que deu.

— O que temos, Heaven? — Taylor pergunta depois que abro um dos armários.

— Hmm... — analiso os alimentos. — Picles, salgadinho, batatas, chocolate... — olho para a morena. — Podemos fazer cookies. Temos todos os ingredientes.

— Por favor, rápido. Não sei até quando meu estômago vai aguentar. — Chloe passa a mão na barriga.

— Ainda temos os ingredientes dos tacos. Podemos fazer guacamole e comer com os Doritos — Lilly sugere.

— Perfeito, vamos adiantar nosso jantar — Isaac vem até mim, assim como Taylor.

Lilly e Chloe também levantam e logo estão fazendo algo, diferente do...

— Senhor Vagabundo? — chamo sua atenção. — Se só veio para comer, a porta da rua é a serventia da casa. — cruzo os braços.

— Como vai, Cenourinha? — sorri, cínico.

— Então? Vai ajudar ou prefere ir embora? — ergo uma sobrancelha. — Se eu fosse você, aceitaria a primeira opção. Levando em conta seu histórico, pode crer que não vai demorar muito até o Isaac te expulsar de vez.

— Ok, o que tem para mim? — ergue-se, batendo as mãos nas laterais das coxas.

Puxo-o pela mão e levo-o diretamente para perto da ilha da cozinha. Recolho um avental e passo a alça por sua cabeça, amarrando as demais faixas atrás de suas costas.

— Até que você fica sexy com esse avental — sorrio, colocando um saco de farinha de trigo em sua frente.

— Você acha? — faz bico, rindo.

— Sim — apoio as mãos no mármore. — Se precisar, pesquise a receita na internet, mas como forma de se redimir pela farinha de milho que não trouxe, é melhor que esses biscoito fiquem divinos.

— Se tem uma coisa que eu sei fazer, é cozinhar, gata — se gaba.

— Ótimo, então pode começar — sorrio, dando um rápido tapa em suas costas.

7:45pm.
Os cookies do Ethan ficaram ótimos, assim como todas as outras besteiras que fizemos para comer enquanto assistíamos um filme depois do outro. Foram Psicose, Sexta-Feira 13 e Os Pássaros, do Hitchcock, particularmente meu preferido.
Foi um final de semana agradável e graças à Chloe, não precisei chamar um Uber para voltar para casa.

— Obrigada pela carona — aceno depois de sair do carro.

— Até amanhã — retribui o ato.

Um pouco cansada, entro em casa e caminho calmamente até a escada enquanto leio uma mensagem enviada há cinco minutos, por Ethan.
“Não esquece do nosso reforço. Te vejo amanhã, Cenourinha.”
Sorrio balançando a cabeça.

— Heaven — a voz de Joe me chama, fazendo-me olhar na direção da sala.

Acho estranho Victor estar junto com ele, já que aos finais de semana ele não trabalha. Apenas caminho até os dois e trato de parar na frente deles.

— Está tudo bem? — franzo o cenho.

— Senta — Victor pede, com uma expressão séria.

— Joe — depois de me acomodar, olho para meu pai.

— Uma funcionária do Conselho Tutelar esteve aqui.

— O que quer dizer com isso? Pode ir direto ao ponto? — peço, começando a ficar apreensiva.

— Ela alega que eu não estou em condições de cuidar de você — suspira, parecendo realmente chateado.

Não consigo dizer nada. Só penso em como minha situação pode piorar caso eu volte para lá, o que não pode acontecer. Além de lidar com um pai estranho, ainda preciso engolir o fato de que ele é um alcoólatra incapaz de "cuidar" de mim. Entendi o que ele quis dizer.
Deixo a bolsa transversal que carregava em cima do sofá, começando a andar de um lado para o outro.

— Por favor, diz que não vai deixar que me levem para um orfanato.

— Não é isso, Heaven — continua sério. — Se não estiver sóbrio daqui alguns meses, é provável que volte para Journesville.

— Não — sinto minhas mãos suarem e alguma músculos ficarem tensos. — Não posso voltar. — levanto.

— Acha que seu irmão não te aceitaria? — Victor questiona, confuso.

— Não é o Pete, eu só... Não posso.

Pensar na possibilidade de voltar e reviver o inferno que minha vida foi, não está na minha lista de planos e dizer o motivo do meu medo de retornar, também não, o que me leva a preferir um orfanato.

— Uma emancipação — penso alto. — Joe, se me emancipar, não preciso voltar.

Talvez isso dê errado, mas na melhor das hipóteses, ele poderia continuar enchendo a cara sem se preocupar com a filha intrusa que chegou de supetão para atrapalhar a vida dele.

— Não sei, precisaria conversar com meu advogado — esfrega as palmas das mãos nas coxas.

— Então faça isso — me viro para ele. — Pela primeira vez, faça algo por mim.

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