02. Obrigada, amado pai

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Passei o resto do dia infeliz arrumando o quarto e organizando as roupas, todos os outros acessórios de decoração ficaram guardados, o fato de não saber bem onde colocá-los me fez optar por manter tudo organizado em um canto, já que não sei se terei liberdade para fazer o que bem entender neste cômodo.
Ele sequer subiu para ver se eu precisava de algo; no fundo era isso que eu estava esperando, mas não o culpo por não ter vindo. No lugar dele, também não faria isso.
Consegui dormi bem apesar de estranhar a casa, como consequência disso, acordei pouco antes das sete. Tive tempo suficiente para me arrumar, respirar fundo e descer com a maior cara de pau que consigo, para tomar café da manhã.

— Bom dia — descaradamente, ele tira os olhos da tela de um tablet e abre um sorriso presunçoso.

— Só se for para você — suspiro de forma rápida, me acomodando em uma das... Seis cadeiras.

— Sempre acorda bem humorada assim? — estica uma mão para pegar a jarra de suco.

— Vai ter muito tempo para descobrir — coloco ovos e waffles no meu prato, enchendo metade do copo com o suco de alguma fruta vermelha. Ou rosa. — Sou alérgica a nozes. Estou avisando porque não quero me deparar com alguma comida que contenha e morrer, depois de ingerir.

— Pode comer sem medo.

Ergo as sobrancelhas num gesto rápido e solto um riso imperceptível. Isso com certeza vai ser mais divertido do que eu estava imaginando. A parte do "conhecimento" mútuo vai ser a mais chata, não estou me preocupando com isso até porque nem interesse em conhecê-lo melhor eu tenho. Percebi na indiferença de sua fala que o sentimento é recíproco, sendo assim, mal posso esperar para as coisas começarem a dar errado.

— Mas, e aí... — reflito, procurando o nome certo para chamá-lo. — Joe.

— Me chamou pelo meu nome? — ele arqueia as sobrancelhas, parecendo surpreso.

— Está surpreso que sei seu nome quando não sabe o meu? — solto um riso irônico, balançando a cabeça e dando uma garfada dos meus ovos. — Com o que você trabalha mesmo?

— Sou acionista numa empresa de esportes.

Balanço a cabeça num sinal positivo, percebendo o quão enaltecedor é seu tom. Ele sequer pestanejou antes de responder minha pergunta, mas não me contrariou quando disse que não sabia meu nome. Como se eu não soubesse com que tipo de pessoa estou lidando.
Dá para ver que a tolerância dele comigo vai ser minúscula, comparada ao vestígio de sua personalidade que ele praticamente acabou de colocar na mesa.

— Se não se importa... — me levanto da mesa. — Vou pegar minha mochila e sair.

— Você nem comeu direito.

Me viro e ergo uma sobrancelha, expressado a minha surpresa com o que ele acabou de dizer.

— Relaxa, eu sei me cuidar. Obrigada, amado pai.

Victor me levou até o colégio e fez questão de me esperar entrar para então, ir embora

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Victor me levou até o colégio e fez questão de me esperar entrar para então, ir embora. Não era necessário já que com o tempo, vou aprender o caminho e não precisarei de ninguém agindo como se eu tivesse doze anos.
Sigo o fluxo de pessoas e entro no colégio, observando o lugar e as pessoas, imaginando as diversificadas personalidades que me rodeiam no momento. Isso soa mal quando alguém pensa em "não julgue um livro pela capa", mas não é bem assim. Com certeza, todos esses rostos têm pelo menos uma coisa em comum: dinheiro.

A primeira sorte do dia foi conseguir meu horário, e agradeço mentalmente por não ter que começar o dia com exatas. Continuo procurando e com um pouco de paciência, acho minha classe. Analiso os lugares e escolho um na fileira perto das janelas, uma carteira no meio.
A professora entra na sala depois que todos já estão acomodados e deixa seu material sobre a mesa. Acabo fazendo o mesmo e abrindo um caderno, aproveitando para rabiscar a capa enquanto ela prepara a aula.

— Bom dia.

A loira abre um esplendoroso sorriso, ajeitando a saia justa no corpo. Tenho quase certeza de que todos os garotos da classe estão tendo várias imagens pornográficas da educadora gostosa ali.

— Sou Fiona Wesphal, professora de história de vocês.

Bocejo e desvio a atenção, encarando os rabiscos em meu caderno. Encosto a cabeça na janela, apenas ouvindo o que ela continua falando e não mudando em nada a minha expressão depois de ouvir uma pergunta.

— 1988 — Uma voz masculina a responde.

— 89 — Meu murmúrio parece mais alto que o normal depois que a sala fica em silêncio com a resposta anterior.

— O que disse?

Pisco diversas vezes, voltando a encarar a professora e repudiar alguns olhares que se voltam para mim. Por que parece tão atípico? Seria porque ninguém nunca responde as perguntas que os professores fazem? Ou porque fui a única que falou a resposta certa quando ninguém mais faz questão de saber sobre isso?

— Novembro de 1989. A queda do muro de Berlim.

Brinco com o lápis em minhas mãos e dou de ombros discretamente.

— Muito bem, senhorita...

— Sheppard — abro o sorriso mais falso que consigo, fingindo gostar do sobrenome.

— Ano da morte de Josef Stalin — Ela caminha de um lado para o outro. — Alguém?

— 1953 — A mesma voz que respondeu a pergunta anterior incorreta, diz.

Sou obrigada a direcionar os olhos para a figura que se encontra do outro lado da classe, por sinal, me encarando com desdém.

— Gripe espanhola? — A professora faz outra pergunta.

— De 1918 a 1920 — respondo, como se fosse um jogo de pingue-pongue.

— Torres Gêmeas? — mais uma pergunta.

— 11 de setembro de 2001 — e ele responde. Mais uma vez.

Sem perceber, parte inicial da aula acabou se transformando num duelo para ver quem obtinha mais respostas certas e foi nesse ponto, que a senhorita Wesphal decidiu prosseguir com outro tema que não fosse acontecimentos históricos.
Não vou dizer que não senti a fúria em sua voz cada vez que respondia, percebi que ele realmente estava me desafiando. Não gosto quando duvidam da minha capacidade de fazer algo, muito menos um garoto qualquer.
Pelo que aconteceu aqui, já percebi que se eu continuar com esse espírito de competitividade, vai ser bem complicado me dar bem com as pessoas. Para ser sincera, é mais fácil o Led Zeppelin voltar do que eu fazer amigos.

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