36. Dissimulado

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“Eu sei que você não pode mais me ouvir”. Mas eu continuo a te chamar.

Antes de vir para Lincoln Bay, precisei enfrentar todas as fases do luto, desde negação à aceitação. Quando cheguei na fase depressiva, procurava um meio de me comunicar com minha mãe. Sentia-me tão culpada e sozinha, que só queria encontrar um meio de saber se ela me ouvia, apesar de saber que não. Eu sabia que ela provavelmente não me ouvia mais, mas continuava a chamar por ela. Chamava porque precisava de respostas, e ainda preciso. Chamava porque não sabia o que fazer, e na verdade, ainda não sei. Nunca saberei. A única coisa que tenho ciência no presente momento é de que vou me acostumar com essa ausência física dela, com o buraco que sua perda deixou em meu peito.

— Está tudo bem? — Celeste estala os dedos, chamando minha atenção.

— Sim, desculpe — balanço a cabeça livrando-me dos pensamentos tristes e sugo parte do meu milkshake pelo canudo de metal. — O que dizia?

— Não importa o que eu dizia — Ela conforta as costas no almofadado no banco. — Você está distante. Como está sendo isso tudo? A mudança, as relações pessoais... Como está lidando com isso?

— Bom. Está sendo bom. Eu acho — umedeço os lábios. — Tenho... Tenho amigos legais, o Joe é gentil comigo, agora também tenho um namorado... — acabo soltando um riso.

— E isso é bom, não? Como ele é com você? — Celeste afasta as mechas castanhas dos ombros, apoiando os antebraços cruzados na mesa, aparentemente interessada na conversa.

— O Ethan é compreensivo. Ele me entende e eu entendo ele. Somos bons juntos — sorrio. — Mas e aí, você é nutricionista ou psicóloga?

— Nutricionista. Mas você sabe que quero seu bem, Heaven — uma de suas mãos alcança minha destra.

— Eu sei e agradeço. De verdade.

Ficamos mais um pouco na lanchonete e depois Celeste levou-me para a casa de Ethan. Amanhã ela e Pete vão embora e espero que possam aproveitar o restante da estadia na cidade.
Entrei e cumprimentei Amanda na sala, que estava acompanhada de uma amiga. Fico feliz de não vê-la na cama, precisando de ajuda o tempo inteiro, é bom que esteja vivaz e disposta, repouso naquele quarto, sem ver a luz do dia ou poder aproveitar o sol não é nada saudável.

— Oi — apareço na brecha da porta e encosto no batente, observando Ethan brincar com Carrie.

— Oi, Cenourinha — A garotinha acena, vindo até mim. Dou risada de sua fala.

— O que estão fazendo?

— Pintando as unhas — sou puxada pelas mãos até estar finalmente sentada no chão, ao lado de Ethan. — Olha as do Ethan.

— Que tal? — Ethan mostra-me suas unhas pintadas de lilás.

— Eu adorei — gargalho e deixo um beijo em sua bochecha, logo voltando minha atenção para Carrie.

— Heaven, você pode pintar as minhas? Eu gosto de azul.

— Claro que posso! — pego o vidro de esmalte azul e encaro Ethan enquanto Carrie busca algum brinquedo do outro lado da cama dele. — Você está bem?

— Por que não estaria? — franzo o cenho, intrigada. O tom de voz de Ethan não é nada agradável, pelo contrário, ele parece chateado.

— Eu não sei, estou perguntando porque me preocupo com você.

— Não precisa. Eu estou bem, e se não estivesse, também não te incomodaria com isso.

O garoto sequer olha na minha cara. Carrie acomoda-se perto de mim e eu continuo a encarar Ethan, confusa. Por que diabos ele está agindo assim?

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