18. A culpa é minha

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Conforme o dia foi passando, a temperatura só diminuiu. O treino de educação física não foi tão duradouro e permanecerá assim até o fim do inverno. Daqui alguns meses a primavera chega e poderemos voltar a nos preparar para o campeonato como deveríamos.
Minhas aulas foram agradáveis e logo ao final do turno, Joe ofereceu-se para me buscar. Gentil da parte dele, mas preferi aproveitar a tarde gélida para me divertir um pouco com o pessoal; viemos até uma pista de patinação no gelo.

É mais uma das artificiais que constroem e em que os visitantes pagam para patinar, bem diferente de quando chegamos ao meio da estação, onde os rios ficam sólidos e ninguém precisa gastar trinta dólares para arranhar gelo.
O lugar é aberto. Há árvores envolvendo a área do pequeno estabelecimento, assim como a folhagem seca do passado outono, que cobre os telhados de madeira. Diversas pessoas se distraem com suas famílias e amigos, o que no fundo, me faz sentir solitária.

— Eu nunca fiz isso — Liam flexiona os joelhos, esticando os braços.

— Jura? — gargalho. — Aqui é mais frio do que onde eu morava, o que vocês fazem no inverno?

— Eu costumo ficar em casa. Assistindo e dormindo boa parte do meu dia — dá risada.

— Entediante.

Depois de ficar observando algumas pessoas lutarem com os patins e outras nem tanto, decido calçar os meus e render-me à diversão. Começo a deslizar pelo grande espaço com calma, tomando cuidado para não esbarrar em alguém, muito menos em Olivia, já que ela também está aqui.
Ethan está do outro lado, conversando com Chloe e Lilly, já Taylor, está no centro da pista, fazendo alguns rodopios e se exibindo como quem diz: sei fazer isso desde os nove anos. E ela realmente sabe.

— Você deve ser a Heaven — um garoto de cabelo castanho claro se aproxima de mim. O mesmo do dia em que Isaac brigou na boate. O acompanhante de Ethan.

— Scott, não é?

— Como sabe? — ri, me seguindo.

— Estou estudando com seu amigo, é um pouco difícil não saber. Aliás, ele fala muito de você — sorrio.

— Fala, é?

— Como se vocês namorassem — dou risada.

— Não exagera — Ele faz careta.

Solto um riso baixo e continuo rodando por ali, assim como Scott. Conversamos pouca coisa antes dele se despedir porque segundo ele, precisava terminar suas lições de geografia. Todos estão se divertindo, mas acabo ficando enjoada repentinamente e saindo da pista para retirar os patins dos meus pés. Recolho minha mochila, corro entre as árvores que rodeiam o lugar e me agacho no meio de algumas folhas secas, colocando dois dedos no fundo do garganta.

Instantaneamente, minha cabeça começa a doer de forma intensa.
Pressiono as têmporas com as mãos e me levanto, virando para trás lentamente quando escuto uma voz chamar meu nome. Não há ninguém ali, mas parecia ser um homem distante. Pete. Parecia a voz do Pete.
Pisco diversas vezes e esfrego os olhos, fechando a jaqueta que até então estava aberta. Segundos depois de fazer isso, um grito estridente ecoa perto de mim, fazendo-me correr na direção da voz e me assustar quando vejo Olivia debater-se na água. Há um lago, mas provavelmente não estava sólido o suficiente para aguentar o peso de uma pessoa, o que acabou resultando na rachadura e no acidente com a loira.

— Ajuda — sua voz suplica entre mergulhos.

Não consigo me mexer, estou paralisada. Meus pés parecem estar grudados na parte de terra distante da água, minha voz não sai, por mais que eu queira ajudar e não consigo fazer nada. Só desperto do meu transe quando os berros de Olivia ganham intensidade, me acordando para o que está acontecendo.

— Preciso de ajuda! — largo a mochila, chamando na direção da pista.

Não consigo esperar e, mesmo que impulsivamente, me livro da jaqueta pesada começando a engatinhar cuidadosamente no gelo. Se aconteceu com ela, a chance de eu cair naquela água fria é ainda maior e pior, já que sou desprovida de dotes aquáticos.
É desesperador vê-la nessa situação, mas quanto mais abrupta for a minha ida até ela, maior o risco de ao invés de uma, terem de resgatar duas pessoas.

— Heaven! — a voz potente de Ethan chama, mas já estou longe demais para voltar agora.

Consigo alcançar Olivia, que parece tentar segurar qualquer coisa que fosse útil para se livrar da água. Agarro um de seus braços mas é extremamente difícil conseguir trazer seu tronco para fora, já que o gelo está fino demais e suas roupas pesadas por conta da umidade.
Faço um pouco mais de esforço e olho para trás, observando Ethan livrar-se de toda roupa possível para nos alcançar. Voltando minha atenção para a garota, faço o máximo de força que consigo até que sua cabeça finalmente sai da água, dando a ela a oportunidade de respirar mais aliviada.

Seguro na gola com pelos de seu suéter, forço os joelhos contra a base em que me apoio, mas Olivia segura com tanto desespero em mim, que acaba puxando-me para seu lugar.
A água está tão fria que meu cérebro parece congelar no mesmo instante em que meu corpo afunda. Tento fazer algum gesto semelhante à natação, mas o único comando que recebo do meu cérebro é para mexer as pernas desesperadamente.
É um sentimento assustador e a única coisa que consigo pensar é que vou morrer; acho que era isso que Olivia pensava nos infinitos minutos que ficou imersa.

"A culpa foi sua... Sempre será."

Consigo ouvir minha mãe dizer. A voz dela ecoa em minha mente de uma forma tão presente que sou capaz de acreditar que ela está aqui; do lado de fora da água, me olhando sufocar lentamente enquanto lembra-me de como acabei com sua idealização de vida perfeita, do quão imprudente ela acreditou que eu fui.
Grito, mas minha súplica é abafada por eu estar a alguns metros da superfície e aos poucos, vou perdendo o fôlego que ainda me restava, juntamente com a disposição para tentar sair daqui.

— Heaven!

Mais uma vez, alguém me chama. Também distante, mas consigo reconhecer que é Ethan. Meu corpo parece afundar cada vez mais, porém ainda tenho a capacidade de esticar os braços e bater no gelo acima de mim, tentando alguma abertura — inútil.
Pouco dura minha consciência. A sensação agoniante volta e tudo escurece gradativamente.
A culpa é minha. Sempre será.

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