32. Adolescentes perturbados

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O domingo amanheceu de sol, mas mesmo com a cidade banhada por uma onda súbita de calidez, as pessoas não deixaram de vestir seus casacos, o que é considerável já que éolos arrebatam a qualquer um que saia para a rua. Passei a tarde assistindo anime e quando decidi socializar com Joe, percebi ele empolgado conversando com alguém no notebook. Desisti.
Por volta das seis da noite, tomei um banho tórrido e visualizei uma mensagem deixada por Ethan avisando que passaria para me buscar às sete e meia. Depois de vestir as peças íntimas, acabei ficando mais tempo que o esperado encarando meu reflexo no espelho. Detalhe por detalhe. Tudo. Talvez cada ser humano seja mesmo único como dizem, mas isso não desmente a tese de que todos somos substituíveis.

Não sei por qual motivo fiquei tão reflexiva, mas permaneci ali. Virei de lado, encarando minhas curvaturas, de costas, de frente outra vez... Fitei meu rosto por minutos intermináveis, imaginando no que minha vida acabou se tornando. Um mar de caos, memórias excruciantes, dor, dor, e mais dor. Tudo totalmente incerto.
De qualquer forma, eu saio em busca de um grande talvez, como François Rabelais. Acabo vestindo uma calça preta skinny em sarja, blusa de tricô cor creme, jaqueta jeans e botas cano médio de mesma cor da calça, com saltos pequenos. Sem muitos adornos, apenas brincos delicados e um bracelete semiaberto com safiras nas extremidades — réplicas, obviamente.

— Boa noite, Cenourinha — O sorriso alinhado do garoto recebe-me quando desço.

— Esse apelido não é nada sexy — dou risada.

Achei que não era possível, mas Ethan conseguiu ficar ainda mais bonito. Ele traja uma calça jeans escura, coturnos, camisa polo cinza e uma jaqueta de couro marrom.

— E o que é sexy para você então? — cruza os braços.

Deixo minha bolsa de lado, quebro o espaço entre nós e seguro seu rosto entre minhas mãos, reunindo nossos lábios num beijo profundo, excitante. Tanto, que empurro seu corpo contra a parede perto da escada e entrelaço meus dedos no cabelo de sua nuca, parando por um segundo e recuperando o fôlego que o garoto me fez perder.

— O que foi isso? — Ethan sussurra entre meus lábios.

— Sussurrar meu nome no meu ouvido — ofego. — É isso que eu acho sexy.

Afastamo-nos antes de Joe passar na sala, mas ele foi esperto o suficiente para saber o que aconteceu, ficou rindo entre dentes e encarando Ethan como se ameaçasse-o. Saímos depois de alguns minutos, andando. Fomos até o parque de diversões perto da minha casa, a primeira coisa que Ethan quis, foi ir na roda gigante, saiu praticamente me arrastando entre a multidão de pessoas só para conseguirmos sentar no mesmo bonde onde costumamos subir para conversar.
Já no alto, a sensação era completamente diferente, apesar da visão da cidade iluminada ser a mesma. Fantástica. Um sentimento de liberdade apossou-me, o vento que balançava meu cabelo fez-me sentir viva como nunca havia sentido. A brisa gelada lembrou minha mãe, desde as vezes em que saíamos para conversar no jardim à noite, até a primeira vez que ela levou-me num parque como este. Meus olhos ardem, mas viro o rosto na direção oposta de Ethan, tentando disfarçar.

— Está tudo bem? — Ele toca meu ombro.

— Sim.

Ao descer, percorremos as barracas, pegamos pipoca e depois de passar pelo carrinho bate-bate e carrossel, paramos numa barraca de tiro ao alvo, onde Ethan conseguiu uma pelúcia de panda para mim.

— Está com fome?

— Fome? — estranho.

— É. Minha mãe diz que quando alguém morde os lábios é porque está com fome — balança os ombros, caminhando entre as pessoas.

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