26. Tormento

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Mesmo relutando, Isaac se prontificou em contar-nos o que havia acontecido, caso ele não o fizesse, Taylor não pouparia palavras para elucidar a situação do amigo. Que não é nada boa. O pai dele, além de espancá-lo, ainda o privou de ir à escola por conta das companhias perniciosas, como Isaac disse que ele referiu-se, e impediu que o filho saísse de casa sem que um segurança o acompanhasse.

Ethan e eu ficamos tempo suficiente até Joe ligar-me e perguntar o que eu fazia num hospital — vantagem de ter total controle sobre mim com o rastreador no chip. Expliquei tudo e enfatizei a questão do espancamento, pedindo o número do senhor Border e entregando-o para Isaac. Apesar de não ter apoio paterno, ainda pode contar com uma parente e nós, os amigos.
Lilly recebeu carona de Ethan e Taylor permaneceu no hospital para esperar a chegada da tia de Isaac, prometendo avisar assim que o garoto estivesse num lugar seguro e longe de qualquer risco.

— Obrigada por me trazer em casa — Respiro cansada.

— Disponha, era mais que minha obrigação já que fomos juntos — Encosta o espinhaço no carro logo após fechar a porta.

— Eu poderia vir de táxi.

— Seria deselegante da minha parte — justifica.

— Não queria ser deselegante ou era só um teatrinho para ficar mais tempo comigo? — dou alguns passos em sua direção.

— Bom, você sabe... — inclina a cabeça para o lado, sorrindo torto e com os braços cruzados na altura do peito.

Aproximo-me o máximo que posso e seguro seu rosto com as duas mãos, beijando-o antes mesmo que ele diga mais alguma coisa. As mãos de Ethan acariciam minhas costas delicadamente, meus dedos puxam o cabelo de sua nuca e consigo sentir a proximidade de nossos corpos arrepiar todo meu interior.
Quando nos separamos, os lábios quentes do garoto alcançam a pele do meu pescoço. É o suficiente para que minha respiração pese e minhas palmas pousem em seu peito, distanciando-nos.

— Boa noite, Ethan — sorrio.

Entrei em casa e bati a porta atrás de mim depois de observar Ethan sair do meu campo de vista. Joe estava entretido assistindo ao jogo e eu só balbuciei um "boa noite" antes de ir diretamente para o meu quarto. Apesar de estar aparentemente controlando bem minha vida, uma onda de preocupação súbita sempre me atinge quando penso em Brett. Tento, mas é inevitável não estremecer toda vez que seu nome vêm em minha memória, da mesma maneira que a realidade assusta-me de uma forma infindável.

Tiro os tênis, ligo a televisão e depois de livrar-me de todas as peças de roupa caminho para o banheiro. Deixo a água quente escorrer desde meu couro cabeludo até meus pés, relaxando cada músculo do meu corpo e de forma instantânea, minha tensão se esvai. Deslizando o tato pelo ombro e alcançando meu pulsos, esfrego a região com violência como se a água pudesse purificar as marcas que ali camuflo.
Termino o banho excruciante e enrolo-me na toalha, recolho uma menor e tiro o excesso de água das mechas enquanto observo o led do meu celular cintilar diversas vezes anunciando alguma notificação não lida. Largo o tecido de algodão e alcanço o aparelho.
"Isaac está em casa. A tia vai cuidar dele e amanhã conversarão com o advogado. Obrigada por tudo :)"

Tratei de responder Taylor e vestir meu pijama após isso, usei o secador em meu cabelo, arrumei a cama e desci para preparar meu jantar, mas ao perceber a presença de pizza velha na geladeira, optei por escolher algo no Ifood. Apesar da contraindicação sobre comer carboidrato à noite, acabei cedendo ao macarrão à bolonhesa e de sobremesa, uma deliciosa panacota com calda de frutas amarelas. Joe provavelmente já devia ter comido pois quando meu pedido chegou, ele somente ignorou. Sua atenção era limitada ao jogo de futebol americano e aos pontos marcados pelos Cincinnati Bengals.

De dentes escovados, deitei para assistir Harry Potter, mas acabei pegando no sono em poucos minutos, sono este que foi interrompido por uma série de tremores involuntários seguidos de um pesadelo horrendo. Despertei assustada, com o travesseiro úmido e antes de ter tempo para levantar, o bipe de mensagem chamou minha atenção. Um número desconhecido dizia: "É feio não abrir a porta para as visitas, ainda mais quando são da família." Foi o suficiente para meu coração entrar em taquicardia e minha curiosidade não tão pertinente tornar-se crescente.

Corri pelas escadas e notei a escuridão da sala acompanhada pelo silêncio que causava-me calafrios. Joe já recolheu-se. Passei pelo hall e meus olhos pousaram na porta durante longos minutos. Minutos assustadores.
Ao girar a maçaneta, deparei-me com o vazio das ruas que também intimidou-me. Entrei rapidamente mas paralisei ao chegar perto das escadas onde uma silhueta viril desdenhava do meu semblante com um sorriso nocivo. Diabólico.

— V-Você?

— Também senti saudades, garotinha.

— O que faz aqui? — minha voz saiu mais trêmula que o esperado.

— Vim te buscar — dá um passo.

— Não. Não veio — engulo seco. — Você não está aqui.

— Sim, eu estou. Bem aqui na sua frente.

— Não está! — afasto-me para a sala, mas sou seguida. — Não pode estar aqui.

Tropeço em algo e caio com o dorso no estofado. Meu medo é tão grande que começo a revirar-me como se corvos ou um enxame de abelhas me atacasse. Sinto meus braços serem imobilizados e esbravejo em desconsolo até perceber que não é Brett quem está ali, e sim, Joe.

— O que aconteceu?

— Ele estava aqui. Eu o vi — Respiro ofegante.

— Quem estava aqui, Heaven? — aos poucos, vou tranquilizando-me. Joe senta-se no sofá e me analisa com curiosidade.

— O Brett — choramingo.

— Esse cara fez mal à você? À sua mãe? Por que tem tanto medo de voltar para Journesville? — São tantas perguntas que meu cérebro entra em pane. Balanço a cabeça em negação deixando-o ainda mais confuso e em seguida, encolho-me onde estou.

— Só quero ter paz — Cubro meu rosto e afogo todas as minhas angústias num choro intenso.

Fico alguns minutos deitada em posição fetal até que a lassidão mental e física me atinge, impelindo-me a descansar os olhos.
Meu tormento está longe de ter fim.

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