As pessoas podem ser horríveis.

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2 DIAS DEPOIS...

RAFAELLA POV

O Pronto Socorro estava vazio. Tinha dormindo por algumas horas. Olhei para o relógio 10:00 da manhã, só mais 2 horas e poderia ir para casa. Saí da salinha e perguntei por Manoela para uma das enfermeiras. Me falaram que ela também tinha ido dormir. Provavelmente estava na sala dos internos. Resolvi não chamá-la, já que não tinha paciente algum. Mas menos de 10 minutos depois Manoela apareceu no corredor.
- Nossa, chefinha, nunca vi esse PS tão vazio. Tirei até um cochilo
- Não comemora antes do tempo, ainda temos 2 horas até o fim do plantão.
Era engraçado como as piores coisas sempre aconteciam nos dias mais calmos. E aquele dia não seria diferente.

Estávamos eu, Manoela e Aline, uma das enfermeiras, conversando na recepção há algum tempo quando uma mulher e um homem chegaram carregando um bebê no colo. Os dois pareciam moradores de rua e a mulher gritava falando que seu bebê estava morrendo.
Corremos até eles, peguei a criança no colo e fomos imediatamente à uma sala. Ela parecia ter menos de 1 ano e estava com a face roxa e logo que peguei no colo percebi que estava magra. Muito magra. 

- O pulso tá fraco e ela quase não respira. – Manoela olhava assustada. Era a primeira vez que um bebê chegava em estado crítico enquanto ela estava aqui. Tudo é pior quando envolve criança. Eu mesma demorei algum tempo até me "acostumar" e saber lidar com a situação. A coisa mais difícil em trabalhar em PS é que você se depara com casos que você acha que só acontece em filmes de terror. Mas a verdade é que era mais comum do que parecia.
Aline foi cortando sua roupa e olhamos em choque ao ver as marcas roxas em seu tronco. Meu sangue ferveu na mesma hora, olhei pra Manoela e as lágrimas escorriam de seus olhos e pude ver suas mãos tremendo.
Quando Aline foi fazer o acesso para colocar o soro, viu uma marca de agulha na criança.
Já tínhamos visto aquilo antes. Infelizmente, era comum quando os pais são viciados. Eles injetaram heroína na criança.
Fizemos todo o possível, colhemos exames. Mas a menina não parecia melhorar.
Em todo esse tempo, Manoela não conseguia fazer nada a não ser segurar a mãozinha da menina.
- Manoela. MANOELA! – gritei mais alto e ela pareceu finalmente me escutar.
- Oi, desculpa.
- Eu preciso de você aqui. Como médica.
Ela só acenou com a cebeça.
- Cheque as púpilas dela.
- Estão retraídas.
- O que você acha que aconteceu? – falei e mostrei a marca de agulha para Manoela.
- Meu deus... injetaram alguma coisa nela? – seus olhos encheram de lágrimas de novo
- Provavelmente heróina pelos sintomas.
Olhei para os sinais vitais da menina e só pioravam mesmo com nossos esforços, eu sabia que aquela batalha logo estaria perdida, mas precisava ensinar a Manoela como proceder em situações com aquela.
- A paciente é sua. Nós já aplicamos todos os medicamentos possíveis, ela já está entubada e com soro. Os sinais vitais não melhoram. Qual o próximo passo?

- Eu-eu...
As máquinas começam a apitar.
- Assistolia! – Aline gritou
- Rápido, Manoela. Sabe fazer massagem cardíaca em bebês?
- Sim.
Manoela fazia a massagem enquando eu observava a menina. Olhei para o relógio, já fazia 20 minutos e nenhuma melhora.
- Está cansada? Precisa que eu assuma? – perguntei mas Manoela apenas negou.
Mais 20 minutos...
- Manoela, pare.
- Como assim parar? Ela continua sem pulso. Não podemos parar.
- Já faz 40 minutos, Manoela. Acabou.
- Nãoooo! Não, por favor, mais um pouco, por favor.
- Pare, agora. É uma ordem. – falei seriamente, olhando em seus olhos e a menina parou. – Anuncie!
Ela se tremia inteira enquanto olhava para o relógio na parede.
- Hora da morte, 11:51.

Manoela saiu da sala com pressa e pude ver ela indo em direção à sala dos internos. Sabia exatamente o que ela estava sentindo. Já tinha passado por aquilo. Não era a primeira morte que ela tinha visto do PS mas tudo muda quando é criança, principalmente naquela situação.
Fui até a recepção ver os pais das crianças mas eles tinham sumido. Infelizmente, já esperava.
Então segui até a sala em que Manoela estava. Assim que entrei a vi sentada em uma cadeira chorando tanto que soluçava.
Sentei ao seu lado e coloquei minha mão em seu ombro.
- Não havia mais nada a se fazer. Ela já estava morta antes de chegar aqui.
- Não é justo, não é justo. Era só um bebê. Como alguém teve coragem de fazer aquilo? – ela dizia entre os soluços
Você ainda não viu nada Manoela...
- Eu sei que é horrível. As pessoas podem ser horríveis. Mas tente pensar que agora o sofrimento dela acabou. Olhe pra mim, Manoela. - pedi
Ela lentamente subiu o rosto e virou-se pra mim.
- Eu sei que esse foi seu primeiro caso de abuso infantil, mas não será o último. E eu não falo isso pra te deixar triste, falo isso porque você precisa se tornar forte. Não conseguimos salvar esse bebê hoje, mas talvez possamos salvar o próximo e por isso precisamos ser fortes, por eles. Eu quero que você vá pra casa, tome um longo banho, chore o que tiver pra chorar no banheiro e esqueça sobre o dia de hoje. E eu farei o mesmo.
- Como? Como você consegue simplesmente esquecer?
- Porque ou você esquece ou você enlouquece. – ela parou de olhar para mim e voltou seus olhos para frente observando o nada. – Você gosta de sair?
- O que? – me perguntou confusa
- Sim, sair, dançar, beber... Gosta?
- Gosto, mas...
- Sabe o que eu sempre faço depois de uma semana longa? Saio pra me divertir. É o que vou fazer hoje. Quero que você me prometa que fará a mesma coisa.
- Dr. Rafael- a interrompi.
- Nada de desculpas. Prometa que vai sair de noite pra algum lugar. Nem que seja pra encher a cara.
- Prometo.
Sabia que ela só tinha falado aquilo pra não me contrariar. Então quando fui embora pra casa, tive uma idéia:

Oi Gizelly. É a Rafaella, de novo. Desculpe incomodar mas sei que é amiga da Manoela e tenho um favor a pedir.
Tivemos um dia difícil no PS hoje e eu sei que se ela não se reerguer logo, vai se prejudicar. Manoela é talentosa, não quero que ela desista do PS, ela nasceu pra isso.
Você pode fazer alguma coisa com ela mais tarde? Alguma coisa que possa distraí-la, não sei... Enfim, desculpa te incomodar, de novo.
Tenha um bom dia.

A resposta veio tão rápida que até me assustei.

Oi, Rafaella. Pode me dizer o que aconteceu? Devo ir pra casa dela agora?

Expliquei toda a situação para Gizelly por mensagem e ela me prometeu que iria fazer alguma coisa. Conversar com a mulher tinha me deixado mais relaxada sobre o a situação. Agradeci e fui tomar um banho, comer e descansar pois eu também precisava de um refúgio mais tarde.

GIZELLY POV

Conhecendo minha amiga, sabia que ela estava arrasada e que se eu simplesmente chamasse Manu para sair ela não aceitaria, então quando deu 5 horas resolvi ir até seu apartamento de surpresa. Meu plano era animá-la o suficiente para convencê-la a sair comigo mais tarde.
Cheguei lá e notei que seu rosto estava ainda com sinais de quem tinha chorado. Muito.
Ela estranhou minha presença, então dei a desculpa de que estava com saudades e queria ficar com tempo com ela.
Fiz pipoca e brigadeira e assistimos um filme de comédia qualquer na Netflix, senti seu humor melhorando aos pouco. Em nenhum momento ela tocou no assunto do bebê comigo. Então resolvi respeitá-la e não falei nada também. Quando a noite chegou consegui convencê-la à ir a boate comigo.

Resolvi ir de novo na Cabaré já que Manu tinha adorado. Chegamos um pouco cedo então conseguimos uma mesa em um canto perto da entrada.

- Então, vai me falar a verdade do porque apareceu do nada lá em casa?
Apenas olhei confusa para ela.
- Ah, por favor. Gizelly, você nunca faz isso. – Ela deu uma leve risada – Diz logo.
- Vou falar, mas nada de gracinha pra cima de mim!
Ela cruzou os dedos e levou-os até seus lábios beijando.
- Sua chefe me mandou mensagem me falando o que aconteceu hoje. Ela estava preocupada com você.
- Você ta falando sério?
- Seríssimo. Disse que você precisava se distrair hoje então como a ótima amiga que sou – falei dando uma piscadinha pra ela – aqui estamos nós.
- Ok, primeiro, não acredito que ela fez isso. Acho que ela não é tão fria quanto imaginava. Segundo, que você é incrível e que eu realmente estou me sentindo bem melhor. Obrigada.
Ficamos apenas conversando por mais um tempo quando vi uma figura conhecida entrando no lugar. Senti meus olhos arregalarem e Manu logo percebeu, olhando na mesma direção que eu.
- Não acreditooooooo. A chefi-, quer dizer sua namoradinha aqui!  – ela falou com um tom animado e eu dei um tapa em seu braço – Ai, vadia! Doeu!
- Para você parar de graça!
Ela só deu de ombros – Meu deus, Gi, a mulher ta gata demais.
E realmente, Rafaella usava uma saia curta, preta com um body também preto de manga comprida mas com um decote tão generoso que por um momento meus olhos não saíram daquele caminho.
Fiquei tanto tempo olhando que nem notei quando Manu se levantou e quis morrer ao ver minha amiga indo em direção à mulher.

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Faaaaaala, girafinhas!
Mais um cap. aproveitando que to com tempo essa semana.
Não esqueçam de dar estrelinha e comentar!
A fic passou de 1000 leituras e fiquei muito feliz porque não faço parte de squad nenhum e nem tenho muito contato com o fandom então devo tudo a vocês! Continuem divuldando a fic, por favor!
Fuiiiiiiiiiii.

Recomeço - GirafaOnde histórias criam vida. Descubra agora