Borboletas

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Já fazia 8 dias que Rafa tinha me mandado aquela mensagem e de vez em quando meus pensamentos voltavam pra ela. "Eu gosto de você, Gi. Meu deus, eu mal te conheço e gosto de você. E é por gostar de você que eu preciso ficar longe." Queria conversar, perguntar o que estava acontecendo mas não me senti no direito de fazer isso. Então passei esses dias focando no trabalho e em papai.
Os dias com ele estavam uma verdadeira montanha-russa. Ele não teve mais nenhuma convulsão, mas acho que ele estava ouvindo coisas porque as vezes ele conversava sozinho. O neurologista estava marcado para daqui 4 dias, foi o mais rápido que conseguimos. Mas sentia que papai estava a beira de outro surto. Resolvi então ligar para Rafa pra ver o que ela achava. Não queria incomodá-la mas ela era a única que sabia de tudo o que estava acontecendo com ele e eu estava nervosa com a situação.

- Alô?
- Oi Rafa. Tudo bem?
- Tudo sim e você? – a voz dela soava um pouco diferente mas não sabia descrever como.
Segui contando para a mulher sobre meu pai e ela disse que voltaria em 2 dias pra SP e iria visitá-lo para ver a situação. Agradeci.
- Mas então, onde exatamente você está? – a curiosidade era demais, não aguentei e quando ela disse o lugar fiquei surpresa.
- Eu costumava vir aqui com meus pais, ainda tenho a nossa antiga casa. Mas eu te explico melhor quando chegar, pode ser?
- Cla-claro, você nem precisa me explicar nada, na verdade...
- Mas eu quero. Eu falei sério quando disse que gostava de você, Gi. Só não estava sabendo como lidar com isso.
- E agora sabe?
Ela apenas riu.
- Te vejo em dois dias, Gi. Fica bem.
Desligamos.

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O dia no Tribunal foi relativamente tranquilo. Alguns pedidos de habeas corpus para analisar, mas nada demais.
Estava ansiosa para chegar de noite pois era hoje que Rafa ia na casa de meu pai.
Antes de seguir pra lá, passei no mercado e comprei algumas coisas para fazer um jantar legal para nós 3. Um rocambole a lá Gizelly.

Rafaella chegou exatamente no horário que disse, 19:00. Pontual como uma militar.
Assim que abri a porta congelei por alguns segundos porque a mulher tinha conseguido ficar mais bonita. A pele estava com um bronzeado dourado lindo. Os cabelos, que antes sempre estavam lisos, agora estavam mais naturais, com umas ondas soltas. Ela usava uma calça jeans preta com uma blusa branca simples e mesmo assim era a mulher mais linda que já tinha visto.
Ela entrou e logo meu pai apareceu pelo corredor. Eu não tinha avisado que Rafaella vinha, fiquei com medo da sua reação, então o homem logo me olhou confuso.
- Chamei a dr. Rafaella aqui para dar uma olhada no senhor, pai.
Ele reclamou um pouco mas acabou deixando Rafa examiná-lo. Eu reparei que ela olhava muito para as mãos de papai e meu deus, como eu não tinha reparado nisso? Elas estavam tremendo, era de leve, mas não paravam de tremer em momento algum.
Ela questionou com meu pai os tremores e ele disse que começaram alguns dias atrás.
- Por que não me falou, papai? – perguntei com raiva
- E você faria o que, Gizelly? Virou médica por acaso? – ele disse ríspido – Vou no neurologista daqui 2 dias, tenho certeza que ele vai me passar em remédio e tudo voltará ao normal.
Outra coisa que tinha notado, era que papai estava mais agressivo nas palavras.
- Preciso de um pouco de ar. - Apenas levantei de onde estava sentada e fui para o quintal de casa.
Alguns minutos depois, ouvi passos vindo em minha direção, me virei e era ela.

- Desculpa ter te deixado sozinha lá, mas eu to cansada de tanta patada que venho levando. Só quero que isso acabe.
- Ta tudo bem. Assim que eu terminei de examiná-lo ele disse que ia pro quarto porque estava com dor de cabeça.
Ela se sentou no banco ao meu lado.
- Sabe, Gizelly... eu realmente não acho que seu pai tenha uma doença psiquiátrica.
- Mas e as alucinações? Você viu como ele estava no hospital, Rafa.
- Eu sei, mas acredito que seja algo secundário ao verdadeiro problema. Não faz sentindo ele desenvolver duas doenças separadas ao mesmo tempo. As chances seriam mínimas.
Não sabia se ficava aliviada ou mais preocupada ainda com aquela nova informação.
- O que ele tem então?
- Eu tenho algumas suspeitas, mas eu vou pesquisar melhor. Quando você for no neurologista com ele, eu quero que você dê meu número pra o médico. Quero conversar com ele sobre as minhas idéias e ver o que ele acha, afinal ele é o especialista.
- Obrigada. De novo. – falei olhando em seus olhos.
- De nada. – ela disse e também me encarou.
Minha vontade era de beijá-la mas não sabia se podia. Então quebrei o contato e resolvi apenas chamá-la para jantar.

Jantamos em meio à conversas leves, ela me contou um pouco da sua época de faculdade, depois contou da empresa que ela era tecnicamente a dona, mas preferia deixar nas mãos de pessoas confiáveis... Tudo que ela ia falando me deixava mais encantada. Minha vontade era perguntar o que tinha acontecido nesses últimos dias, mas ela não tocou no assunto.
Terminamos o jantar e depois de lavármos a louça, fomos para o quintal de novo, dessa vez acompanhadas com um vinho tinto.
O céu estava tão estrelado e o tempo tão gostoso que seria um pecado ficar dentro de casa.

- Como tá se controlando tanto? – ela perguntou sorrindo e bebendo mais um gole de vinho
- Como assim?
- Ainda não me perguntou sobre o motivo de eu ter ido pra praia. Pensei que você gostasse se ser direta, meretíssima.
Fiquei corada com a resposta dela.
- Estava tentando respeitar seu tempo, doutora. Mas agora que começou, por favor, me conte. – falei de uma maneira brincalhona
Ela baixou a cabeça e pareceu pensar um tempo antes de começar a falar...
- Quando sua mãe morreu, como você lidou com isso?
Fiquei supresa com a pergunta...
- Nossa, Rafa, eu nem lembro direito para falar a verdade. Eu era uma criança ainda, eu lembro de sentir a falta dela e de ter muito medo de esquecê-la, mas meu pai sempre me mostrava vídeos, fotos... Criança não tem uma noção muito boa de morte, né? Eu lembro de achar que ela não gostava de mim e por isso tinha sumido, mas quando fui ficando mais velha fui entendendo tudo e meu pai sempre me ajudou muito. Mas por que?
- Quando meus pais morreram eu fiquei completamente devastada. Eu não tinha à quem recorrer sabe? Sempre fomos só nós 3, eu não tinha tios, tias, primas, ninguém para me apoiar. Eu tinha amigas da escola, mas quando tentei falar com elas percebi que elas nunca entenderiam o que eu estava sentindo e acabei me afastando delas também. Eu fiquei tão quebrada que eu pensei em me matar e eu juro que só não o fiz porque não tive coragem.

Ela deu uma pausa. Estava claramente nervosa, mas eu não quis falar nada com medo de ela parar de se abrir.

- Então eu continuei vivendo e minha maneira de lidar com aquilo, com aquele luto, foi me fechar. Eu não queria mais sentir aquela dor. Então fiz uma promessa pra mim mesma que não deixaria ninguém se aproximar demais pra eu não sofrer quando a pessoa fosse embora.

Mudei minha expressão olhando pra ela e ela rapidamente me chamou atenção:

- Por favor, para de me olhar com pena. Eu odeio quando fazem isso.
- Desculpa. – Olhei pra baixo envergonhada. – É só que... não tem como viver assim, Rafa. Nós somos seres sociais, não tem como viver sozinha, como ser feliz sozinha. O ser humano precisa de companhia, de contato, de conexão, de amor...
- Eu sei. Eu fui pra Taíba porque eu me sinto confortável lá e mais proxima dos meus pais. Precisava saber lidar com esse luto que vem me matando ao poucos por anos já. E eu não vou falar que agora sou livre e tenho todas as respostas, mas o que eu posso fazer é tentar.
- Eu fico feliz em ouvir isso. De verdade.
Ela segurou minhas mãos nas suas e me olhou.
- Que bom, porque no meu caminho pra essa nova vida, eu queria muito te chamar pra sair comigo.
Abri um sorriso na mesma hora e ela o retribuiu, fazendo eu sentir as famosas borboletas no estômago. Eita,Giovanna, segura esse forninho!
Não aguentei e a puxei para um beijo. Foi apenas um encostar leve e lento em seus lábios mas senti minha respiração falhar.
- Eu adoraria sair com você.

Recomeço - GirafaOnde histórias criam vida. Descubra agora