NUA E MOLHADA

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Alice acordou sufocada. O coração saindo pela boca.

"Um dos principais efeitos colaterais desta medicação são possíveis pesadelos e sonhos lúcidos", lembrou-se da recomendação lhe passada por Gabriela.

O relógio ao lado da cama marcava 13 horas e 13 minutos, e a claridade refletida por debaixo das pesadas cortinas teatrais de veludo bordô, indicava um ensolarado.

Levantou-se em um salto e correu até a janela para escancarar as cortinas.

A despeito de os raios solares jamais incidirem diretamente sobre sua unidade habitacional, a claridade refletida em seu apartamento estava tão forte, que suas pupilas arderam imediatamente em protesto, cegando-a por alguns instantes.

Com a luz do dia veio uma dor de cabeça latejante na fonte e um nó apertado em seu estômago. Sentia-se como um adolescente que não sabe beber enfrentando a sua primeira ressaca.

— Algumas medicações também podem dar esses efeitos colaterais — justificou para si mesma. — Principalmente se misturadas com álcool.

Sentiu sua boca seca. Então caminhou lentamente pelo corredor até o banheiro. A torneira não gotejava, mas a porta espelhada do armário continuava aberta.

Entrou no banheiro e ficou paralisada por um instante, enquanto encarava a escova elétrica que repousava inocentemente dentro do armário. Engoliu em seco e fechou a porta do armário rapidamente.

Seus olhos e seu rosto estavam normais, embora tenha achado sua pele um tanto inchada e oleosa de mais para o seu gosto.

Já tinha aceitado o fato de sua pele tornar-se cada dia mais brilhosa, e compreendia que ainda que não trabalhasse diretamente na cozinha, a sua pele respirava constantemente a gordura impregnada no ambiente, assim como um fumante passivo absorve, por vezes, ainda mais toxinas que o ativo. Mas dessa vez a situação estava fora de controle.

Quando se aproximou, observando mais detidamente o seu reflexo, pôde contemplar, ao lado esquerdo da testa, o nascer de uma pequena espinha amarelada e orbitada por uma constelação de cravos negros, brilhantes e odiosos.

"Não se pode descuidar da pele um segundo", pensou.

Por sorte, lembrou-se que dispunha do produto exato para essas emergências.

Sentiu-se mais aliviada, e finalmente retirou, com cuidado, as lentes de contato e as roupas amanhecidas em seu corpo, ligando o chuveiro em temperatura máxima, como de costume.

Estava tendo dificuldades para encontrar seu gel exterminador de cravos nas prateleiras internas do seu box, e já havia se molhado totalmente quando teve a estranha sensação de estar esquecendo de mais alguma coisa...

— Por céus, George!

A última vez que vira o animal, ele estava tomando água na lavanderia, e isso foi logo após ter recebido sua encomenda da China, no dia anterior!

Nua e molhada, andou a procura de George pela casa toda, sem sucesso.

— Pobre George! Como pude ser tão negligente? Espero um dia te reencontrar no céu, e então voaremos lado a lado...

Alice notou que havia um forte cheiro de bolor impregnado pela casa.

Então escutou um barulho estranho vindo da cozinha.

O saco de lixo estava se movendo!

Beliscou-se duas vezes para certificar-se de que não estava em outro pesadelo. 

Mas aquilo era real!

Ficou paralisada por um instante...

(...) Até que, movida por uma coragem súbita, correu até o saco de lixo e o cutucou com um cabo de vassoura...

MICÉLIOSOnde histórias criam vida. Descubra agora