Os dois se entreolharam assustados e depois riram como forma de descontração.
Aquele homem é sinistro, mas aquele chapéu neste calor é uma chacota-MÁ — riu James. — Eu acho que ele não foi com a minha cara-MÁ...
— Eu também tenho essa impressão...
— Calma, ficou ambíguo, você se referiu a mim ou a você?
— Aos dois... Acho que ele não confia muito em nenhum funcionário que não seja sangue do seu sangue. A ironia é que, se eles não passassem tanto tempo reunidos fazendo sabe-se lá o que no porão nem precisariam contratar ninguém... respondeu Alice.
— E qual é a desse Hangy Jr? Hoje ele só apareceu uma ou duas vezes, para dar uma olhada no caixa-MÁ. Será que ele desvia? Por que ele não trabalha igual as irmãs?
— Você tem que entender que nesta família os homens não trabalham muito, enquanto as mulheres parecem que são escravas. Deve ser algo da cultura comunista...
— Que absurdo-MÁ!
— Sim, até estranhei eles contratarem um homem... Aqui os homens não trabalham de verdade... Hangy aparece raramente. O filho dele então, parece um príncipe. O máximo que faz é cobrir o caixa eventualmente.
— Isso é muito machista-MÁ. — disse James.
— Você não é comunista né? — brincou Alice. — Já não basta esses chineses todos...
— Agora você está sendo xenofóbica! — disse James, sério pela primeira vez.
— O que?
— É o nome para as pessoas que ainda tem preconceito com estrangeiros! Vê se aprende comigo, antes que acabe levando uma lição do carma-MÁ, e acabe se tornando um deles.
— Nem sei o que é isso..., mas não tenho medo dessas coisas, porque vou à igreja todo domingo!
— É mesmo, então me diga uma coisa... Olhe bem ao seu redor... O que você vê?
— Uma imundice embolorada... Gordura impregnada em tudo... Sujeira por todo canto...
— Meus Deus como você é exagerada! É um pouco embolorado, mas nem é tão sujo assim!
— Você diz isso porque não reparou bem na cozinha!
— E por acaso você já visitou a cozinha de uma lanchonete americana? Te garanto que é bem pior!
— Mas os chineses...
— Quieta-MÁ! Se está achando sujo, vamos ajudar eles a limpar direito, afinal são eles que colocam pão em nossa mesa...
— Quieto você! Não venha dar ideia de mais trabalho! Se Yuga escuta isso estamos lascados! Já somos explorados demais aqui...
— Sabe Alice, se você reparar bem, por baixo de toda essa poeira existe um poço de sabedoria-MÁ. Repare bem na decoração, por exemplo, há Dragões, Maneki Nekos, Darumas, Cães de Fu, símbolos de Yin Yang, Budas além das tradicionais lanternas chinesas-MÁS. Isso é um misto de várias culturas orientais. Tudo junto e misturado com elementos de nossa cultura-MÁ. Além de sábios, eles ainda demonstram uma mente cultural aberta-MÁ.
— O que disse? Eu não entendi nada... Como você sabe tudo isso?
— Tenho um "ex" japonês, que agora virou minha amiga-MÁ. Ele me ensinou tudo o que eu sei sobre as culturas orientais. Mas é uma sabedoria sem fim, sempre há algo a aprender. Você tem que respeitar a história milenar desse povo. Há um vasto conhecimento diante de seus olhos...
— O que estão fazendo? — perguntou Mei, a mais velha das irmãs.
James iniciou uma conversa com Mei, em chinês, que durou mais de cinco minutos. A prosa foi encerrada com gargalhadas mútuas e então Mei regressou à cozinha.
— Como você entende o que elas falam? De quem estavam rindo tanto?
— Ora eles me contrataram por isso, eu sou uma estudante-MÁ insaciável das línguas orientais. Trabalhar aqui é uma grande oportunidade de intercâmbio cultural.
— Mas afinal, o que vocês tanto conversaram?
— Nada demais, algo sobre como o aprendizado é uma via de mão dupla-MÁ. Mei se mostrou disposta a compartilhar a cultura oriental e a aprender com a cultura local. Nunca alguém tinha dito que poderia aprender uma coisa comigo, já estou me sentindo parte da equipe-MÁ! — disse James. É tanto aprendizado e reconhecimento que eu nem deveria cobrar um salário!
Alice vomitou em cima de uma mesa.
James ficou assustado e correu segurar o seu cabelo, prestando-lhe atendimento. — Está mesmo bem?
— Estou sim, obrigada! O cheiro desse lugar... fico sempre nauseada.
— Sente-se aqui enquanto eu limpo isso... Não está prenha-MÁ né?
O comentário petulante de James surgiu de forma tão espontânea e inesperada que Alice chegou a abrir a boca, mas não foi capaz de proferir nenhuma palavra enquanto ele se dirigia até a cozinha. Foi capaz apenas de escutar o som de várias risadinhas orientais que foram surgindo do outro lado da fina parede.
A boca de Alice ainda estava aberta quando James retornou feliz e motivado com todos os itens de limpeza que encontrou na cozinha.
— Vocês estavam falando de mim?
— Oi? Claro que não!
— Fale a verdade...
— Talvez você estivesse sendo um pouco zoada por seus tiques de limpeza..., mas vamos combinar, você exagera um poquito-MÁ né?
Alice fechou a cara imediatamente.
— Mas relaxe amiga... trabalhar também pode ser divertido, sabia? Nós até estávamos definindo as frases que colocaríamos nos bolinhos da sorte esta semana-MÁ. Mei me entregou um livro antigo e determinou que começasse a traduzir e imprimir imediatamente. Onde fica a impressora-MÁ?
— No porão, mas agora não estou a fim de ir lá! — O estomago de Alice ficou ainda mais revoltado com a ideia. — Acho melhor fazermos isso aqui mesmo, depois quando tudo estiver pronto descemos apenas para imprimir...
— Ok, vou te ensinar a traduzir também, conhecimento nunca é demais!
Os dois passaram a manhã envoltos nesta tarefa. James se deliciava ensinando e traduzindo os caracteres chineses mais básicos, que podiam representar uma ideia ou mesmo conter uma frase inteira em um único logograma.
À medida que iam sendo traduzidas, as mensagens selecionadas por James eram ditadas à Alice, que apertava a caligrafia para escrevê-las nas matrizes, pequenos papeizinhos de dois centímetros quadrados. No verso, Alice era guiada para copiar logogramas chineses clássicos, que representavam ideias nobres como Amor, Esperança e Paz.
— Elas consideram que você é muito feia e seca! —disse James rapidamente, as mãos albinas protegendo a boca grande.
— Como é?
— ... Mas a parte mais estranha foi que eu peguei elas conversando sobre...
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MICÉLIOS
HorrorQuando um fungo cósmico ataca Alice, uma jovem privilegiada, vaidosa e preconceituosa, pondo em xeque sua sanidade mental e seus preceitos ideológicos, um terror psicodélico desperta. Desde que uma pastelaria chinesa surgiu na vizinhança as pessoas...