INCUBAÇÃO NOTURNA

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Alice derrubou as sacolas no chão.

— Não é nada! — respondeu à policial Carla.

— Nada? — Não me parece com nada. — Parece alguma coisa.

— É apenas carne.

— Essa carne não é produto saqueado do acidente, é?

— Não Senhora, eu ganhei da pastelaria onde trabalho. Estava próximo do vencimento...

— Eu estava apenas brincando! Você trabalha no Pastel do Céu né? Inclusive, adoro essa pastelaria, eles têm um tempero especial, diria até mais, celestial. Aquele pastel é mesmo do céu, sabe me dizer qual o segredo deles?

Um dos muitos privilégios que possuía era a sua aparência física, jamais fora abordada antes por um policial.

Alice revirou mentalmente os olhos com o trocadilho, e pensou em uma série de porquices dos patrões que poderiam render em um tempero especial.

— É segredo industrial, não tenho permissão para falar, Senhora.

— Pode me chamar apenas de Carla... Venha vou lhe dar uma carona, não é seguro para uma moça como você estar vagando pelo centro a estas horas.

— Obrigada! Mas eu moro muito longe...

— Não tem problema — disse Carla, enquanto chamava a viatura pelo rádio.

Havia mais dois policiais homens na viatura, e Alice não teria aceitado a carona se não fosse pela presença de Carla.

— O que estão esperando? Ajudem a moça com as sacolas!

— Obrigada!

— Alice, esses são os policiais Neto e Nascimento, pode ficar à vontade.

Constrangida, Alice embarcou e declinou brevemente o seu endereço, e então se pôs em silêncio.

Notou que, em código, os policiais discutiam as ocorrências do dia, e, pelo contexto, Alice compreendeu que pareciam tratar de uma onda crescente de homicídios.

— Parece que todos nesta cidade estão perdendo a cabeça — debochou o policial Nascimento.

Neto, que estava no volante do SUV, riu alto, e então ambos foram repreendidos por Carla, que se sentava ao lado de Alice.

Neste momento Alice começou a refletir até que ponto sua teoria poderia justificar a repentina preocupação dos policiais com sua segurança. Ou será que eles queriam algo a mais?

Pensou no real motivo pelo qual, em meio a tantas pessoas que andavam pelo centro, sendo muitos indivíduos desamparados pelo estado, três policiais preferiam perder tempo dando carona a uma moça loira. Estariam eles tentando fazer uma abordagem investigativa? Pretendiam, com uma carona, extrair informações dela?

Outra hipótese lhe surgiu na cabeça. Talvez os policiais simplesmente não se importassem com miseráveis...

Então o policial Neto a interrogou:

— Ei moça! Você viu alguma coisa estranha? Isto é, você estava na região do acidente não é mesmo? Acho que me lembro de você de outro lugar...

— Lucas! Você é amigo do Lucas, a gente já se esbarrou uma vez... no culto, é de lá que você me conhece... — retrucou Alice, visivelmente incomodada.

— Nossa, é mesmo, o Lucas. Um ótimo amigo! Pena que anda meio sumido... Sabe dizer se ele está bem?

— Não perturbe a moça Neto! — cortou Carla.

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