Que o fogo queime os pecados da carne!

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— Meu Deus! O que é isso no seu dedo?

Por um instante o coração de Alice parou. Lembrou-se do pesadelo com a face embolorada.

Seu dedo mindinho esquerdo estava jorrando sangue.

— Meu Senhor! Precisa de ajuda? — perguntou Gabriela, enquanto saltava do outro lado da cozinha para lhe entregar um pano de prato.

— Não, estou bem! Acontece sempre..., mas obrigada! — disse Alice enquanto usava o pano para estancar o sangramento.

Em outro momento Alice teria feito um escândalo, mas por algum motivo estava calma e não sentia dor alguma.

Compreendera que, provavelmente, espetara seu dedo em um movimento involuntário tido em reflexo ao susto que levara.

— Quem se assusta é porque está em pecado — disse Ivana. — Agora vá cuidar desse dedo que eu termino por aqui.

Envergonhada, Alice descartou a faca na pia da cozinha, e então seguiu pelo corredor até chegar aos banheiros, localizados entre a cozinha e a fornalha, que eram divididos por uma placa de formigas sorridentes que apontava varões à direita e varoas à esquerda.

Por dentro, o banheiro seguia o estilo da cozinha, e não contava com nenhuma janela ou duto de ventilação. Não havia espelhos na casa de Deus. Apenas uma pia de mármore embutida em um armário amarelo, com torneiras douradas e duas privadas sem divisória. Ficava se perguntando se os construtores dispuseram as patentes desta maneira por falta de recursos, por erro, por necessidade de adaptação do projeto, ou simplesmente porque imaginavam que as mulheres, que frequentemente iam juntas ao banheiro, urinavam de mãos dadas. Começou a refletir sobre tais estereótipos, enquanto lavava o dedo em água corrente, quando escutou passos estrambelhados de alguém que estava prestes a entrar no ambiente.

Notou um recipiente com álcool líquido ao lado da saboneteira, mas teve medo da dor. "É só um pequeno corte, não tem necessidade disso...", pensou.

— Oi amiga! — disse Gabriela, entrando no banheiro sem cerimônia. — Como está o seu dedo?

— Está melhor...

— Você lavou direitinho? Tem um frasco de álcool que eu comprei e deixei sobre a pia. — Deu o maior trabalho para achar a versão líquida, mas é o desinfetante mais seguro (e perigoso) que eu conheço — riu Gabriela.

— Claro, eu passei sim amiga... Obrigado!

Então Gabriela procurou pelas gavetas abaixo da pia, até achar um pacote de curativos adesivos, e o entregou à Alice. — Deve servir — disse sorrindo.

— Obrigada!

— Ah, eu lembrei que tenho um remédio muito bom para isso. É infalível. — prosseguiu a amiga.

Gabriela não era muito estudada, mas sempre tinha um medicamento para qualquer coisa. Era uma louca dos remédios e estava sempre antenada com as novidades da indústria farmacêutica. Alice não sabia como Gabriela conseguia tantos remédios, sendo muitos controlados, e desconfiava de que a amiga tinha grandes contatos com o mercado clandestino.

O apetite de Gabriela por remédios só não era maior que o seu apetite por comida. Obesa, com 134 quilos, Gabriela não dispensava uma boa refeição.

— E como está o Papagaio que eu lhe trouxe? George o nome né?

— Passa bem... Tem aprontado bastante!

Gabriela pegou a mão de Alice com delicadeza e passou sua pomada milagrosa, antes de aplicar um pequeno curativo em seu dedo.

Quando retornaram à cozinha, Alice pensou ter visto mais um ou dois pontos bolor nas carnes já cortadas por suas amigas, mas não teve certeza, tampouco coragem, de olhar novamente.

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