Aquele que caminha por detrás do matagal

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Neste momento, Alice entrou na cozinha com os últimos pratos do salão, e reparou algo estranho no ar, mas não questionou. Dispôs-se a secar os pratos, e notou que apenas os pratos entregues por Ivana eram oleosos. Contudo, permaneceu em silêncio. Não ousaria criar mais problemas para a sua vida social, do contrário, precisava resolvê-los:

— Desculpe-me Gabriela, eu me expressei mal, não tive a intenção de te ofender...

— Tudo bem amiga, eu já estou acostumada... Reparei que o Lucas não parava de olhar para ti, acho que ele está afim de você!

— Bem que eu queria — respondeu Alice. — Se ele não fosse da igreja...

— Seria um grande pecado! — censurou Ivana, exterminando o assunto com seu olhar frio e julgador. — Agora venha comigo, Alice, precisamos conversar lá fora... Aproveite e me ajude a levar esses sacos de lixo.

*

Assim que Gabriela terminou de purgar a sua culpa, ao deixar a cozinha como um brinco, exceto talvez pelas manchas sangrentas que se recusavam a deixar o mármore branco, a despeito do uso dos melhores agentes químicos e do esforço de uma pecadora profundamente arrependida, Simão entrou na cozinha e chamou Gabriela com uma voz acolhedora e hipnótica:

— Minha pequena, você tem um grande apetite, mas também tem um grande coração! Eu quero deixar claro que o meu sermão de gula não foi direcionado a você. Não precisa se martirizar, você é uma das minhas maiores ovelhas...

— Não tenho palavras... — respondeu emocionada, caindo de joelhos aos chão. 

— Eu deixei uma surpresa na geladeira para te alegrar! Apenas não se esqueça de me devolver a forma! — Simão deu um abraço acolhedor em Gabriela, enxugando-lhe as lágrimas.

— Mas o senhor não percebe que eu sou gorda? Que eu peco em comer demais?

— Não compete a mim julgar... Cada um tem o seu metabolismo, portanto você não deve se comparar à suas amigas... Elas não sabem o que é passar fome ou qualquer dificuldade.

— Obrigada, meu Pastor! — Serei eternamente agradecida à sua misericórdia.

Com seus olhos brilhantes como os de um gato flagrado em uma fotografia noturna, Simão tocou a cabeça de Gabriela, filtrando-lhe os pensamentos com sua mais elevada vibração energética, o que fez com que todas as lâmpadas incandescentes do ambiente piscassem de forma intermitente e perturbadora.

— Não me agradeça, minha ovelha, agradeça somente ao Senhor! Apenas não fale mais disso para ninguém... Agora pegue o bolo e vá em paz...

— Amém!

*

— Uma saideira para os fortes! — disse Paulo, erguendo uma garrafa de Vodca que brilhou ao pôr do sol.

— Obrigado irmãos! Mas eu preciso ir embora... — disse Lucas, olhando para Alice ao fundo do cenário.

— Tens uma boa Justificativa! — disse Iago.

Todos riram por detrás do matagal, e permaneceram conversando até o florescer da lua cheia.

Então Lucas pegou uma latinha de cerveja da mochila de Paulo e se despediu dos irmãos com um aceno de cabeça.

— Está quente... — disse Paulo. Mas Lucas já estava longe.

Alice, que não perdia Lucas de vista, reparou que ele parecia vir em sua direção, então saiu constrangida a procura das amigas. Contornou o perímetro da igreja e as localizou agindo estranho à sombra de uma árvore. Então se abaixou em uma moita e passou a observar detidamente.

Gabriela, que olhava para os lados como se fosse uma criminosa, entrega um saquinho para Ivana. Seria um chá? Um remédio? Uma droga? Estava prestes a descobrir alguma coisa quando um dedo comprido e peludo cutucou lhe o pescoço. 

Alice caiu de quatro dentro da moita, e assim que conseguiu erguer a cabeça reparou que suas amigas haviam sumido e que uma imensa sombra lunar de uma mão comprida e espalmada se projetava por detrás de si. 

MICÉLIOSOnde histórias criam vida. Descubra agora