Assim que entrou, ela trancou a porta e abaixou as calças. Havia algo muito mofado lá embaixo, e ela teve ânsia e medo.
O trinco da porta girou.
— Tudo bem aí?
— Sim, só um minuto, estou saindo...
Lucas retornou à sua banqueta, tirou a camisa, e começou a se tocar, enquanto observava o saltitar do papagaio em sua direção. "O que será que esse papagaio tem a dizer?", pensou.
Foi então que ele escutou um barulho de descarga, e notou uma onda de umidade tomar conta do ambiente, fazendo as paredes suarem em uma respiração intimidadora.
— Me desculpe, eu acho que estou naqueles dias...
— Eu não acredito que vim até aqui para escutar essa desculpa esfarrapada!
Alice demorou alguns segundos para processar o que estava acontecendo, e então teve um ataque de fúria:
— Eu acho melhor você ir embora agora!!! — gritou.
— Xô-Xô — grunhiu George.
Lucas apanhou sua camisa, e saiu batendo a porta, danificando-a internamente.
Alice correu trancá-la, e só então se sentiu segura.
Na sequência, ela correu até o banheiro, e tomou um banho íntimo, com sua escova elétrica facial chinesa, enquanto chorava rememorando quantos pecados fora capaz de cometer em apenas um dia.
Assim que terminou de secar-se, retornou até a cozinha, e abraçou George com força, enquanto o papagaio gritava: — Verônica! Verônica! Verônica!
— Eu sei George... mas amanhã será um novo dia!
Alice retirou suas lentes, tornou o resto dos dois copos de whisky que havia servido, e foi direto para cama, onde adormeceu imediatamente.
*
Ainda com a camisa nos ombros, Lucas retornou até sua pick-up e fez uma ligação.
— Estou indo até sua casa!
*
Assim que a bebida acabou, Iago e Paulo checaram seus telefones, notando uma mensagem antiga de Lucas.
Fizeram silêncio por alguns instantes, e então escutaram um barulho que os levou até os fundos da igreja.
As lixeiras externas estavam se mexendo.
Localizaram dois pedaços de lenha, e se aproximaram lentamente.
Ao abrirem a tampa, foram surpreendidos por uma cabeça que mastigava.
Mergulhado no lixo, o idoso foi recepcionado com um golpe violento no rosto, e depois outro. Então um prego enferrujado arrancou-lhe um pedaço da orelha.
O velho cuspiu seus últimos dentes em uma baba de sangue, e, impossibilitado de falar, ou mesmo se mover, foi atingido por outro golpe na nuca.
— Isso é para que aprenda a não roubar mais! Seu pecador comunista! — disse Iago enquanto virava a lixeira no gramado.
O homem até tentou se levantar, mas acabou caindo desorientado.
— Espero que queime no inferno, seu porco satânico! — completou Paulo, o levantando pelo cabelo comprido, e desferindo-lhe um chute final que o fez rolar barranco abaixo, em um rastro de sangue frio.
*
Quando a campainha de seu apartamento tocou, Ivana apagou seu cigarro e atendeu a porta de toalha, se empinando, na sequência, sob a mesa da copa, a fim de esconder a forma vazia do bolo outrora assado por seu pastor.
*
Aos fundos do vale, o idoso espancado acordou com um ardor hediondo nas narinas, por conta de um forte odor de chorume que tocava até mesmo o seu paladar.
Escutou o ecoar de uma tosse seca e agonizante em sua retaguarda, mas começou a rastejar para frente, de forma involuntária, em direção a uma área pantanosa que era coberta por um líquen verde, do tipo que se alimenta de matéria orgânica em decomposição.
Quando finalmente conseguiu reunir forças para retomar ao menos os movimentos da cabeça e olhar para trás, pode contemplar, pelo canto do olho, o advento de uma mão seca, brotada de um buraco profano que havia no cerne uma árvore torta, que se inclinava em sua direção de forma satisfativa e perturbadora.
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MICÉLIOS
HororQuando um fungo cósmico ataca Alice, uma jovem privilegiada, vaidosa e preconceituosa, pondo em xeque sua sanidade mental e seus preceitos ideológicos, um terror psicodélico desperta. Desde que uma pastelaria chinesa surgiu na vizinhança as pessoas...