Assim que voltei da garagem — porque eu não confiava no idiota do meu pai para deixá-lo sair sozinho — me deparei com a sala vazia.
O apartamento parecia inabitado, silencioso e às escuras como estava.
Passei a chave na porta e fui investigar.
Uma suave luz passava por baixo da porta do quarto de Elisa.
Bati à porta do quarto dela e a minha irmã gritou para que eu entrasse.
Ela estava deitada à cama com a colcha azul-céu puxada até o queixo, com Marie deitada ao seu lado, a minúscula cabeça da cachorra apoiada no peito da dona.
O quarto de Elisa se parecia muito com o meu — a mesma cama espaçosa, a porta corrediça do closet toda em espelho, a escrivaninha em um canto — porém a cor predominante era azul.
Nas paredes, fotos e mais fotos de uma família aparentemente perfeita se misturavam com fotos de Elisa em apresentações de ballet e com medalhas de concursos que ela tinha vencido no pescoço. Essas medalhas tinham um lugar só delas, como um pequeno altar para as suas realizações como bailarina.
Sentei na ponta do colchão, olhando para a minha irmã. Ela não ergueu o olhar na minha direção, entretida em desenhar padrões no tecido azul da sua colcha.
— Oi — eu disse baixinho porque não tinha ideia de como começar. — Como você está?
Seus olhos correram para o meu rosto por um segundo antes de voltar a baixá-los. Seus dedos ficaram aninda mais ansiosos, mais rápidos.
— Sinceramente? Parece um pesadelo, Lili — sussurrou. Sua voz falhou e ela limpou a garganta. — Tô fazendo muita força para tentar acordar, mas não consigo.
Suspirei. É, ela estava mal.
— É porque essa é a vida real — respondi no mesmo tom baixo. — Não tem como acordar.
Me aproximei pra fazer carinho nos seus cabelos lisos.
Elisa fechou os olhos como se sentisse dor e seus ombros tremeram.
Minha irmã começou a respirar fundo pela boca, os tremores se tornaram ainda mais intensos até que ela não aguentou mais.
Foi como se uma comporta de represa tivesse sido aberta: Elisa começou a chorar de uma forma tão dolorosa que partiu o meu coração.
Ela escondeu o rosto na curva do meu pescoço, e eu a deixei desabafar em lágrimas, acariciando seus fios macios, subindo e descendo a mão pelas suas costas.
Esperei que Elisa se acalmasse sozinha antes de sussurrar:
— Tá tudo bem — eu disse cm suavidade. — Estou aqui, maninha. Estou aqui.
— Eu... — ela tentou começar, ainda com o rosto enterrado no meu pescoço, mas não concluiu a frase, voltando a chorar.
— Eu não queria que ele descobrisse — sussurrou parecendo muito pequena e assustada. — Muito menos q-que a m-mamãe... — ela recomeçou a chorar suavemente.
— Não foi culpa sua, sabe? — murmurei tentando acalmá-la. — E não foi sobre o que tá rolando entre você e a Miyuki. Ele é um babaca, a síntese de tudo de ruim que o mundo pode produzir.
Elisa respirou fundo algumas vezes antes de afastar.
Seus olhos estavam muito vermelhos e inchados, assim como os seus lábios e nariz.
Como a minha irmã não disse nada, decidi que eu deveria falar.
— Eu vi ele com uma amante há alguns dias e contei para a mamãe, mas ela disse que não se separaria pelo bem da família — contei em voz baixa, fazendo carinho no sue ombro magro. — Você salvou a nossa mãe de passar mais vários anos ao lado daquele crápula em um relacionamento horrível só para nos dar uma família "completa" -- fiz aspas no ar ao dizer a última palavra. Ela deixou um gosto amargo na minha língua.
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Química Imperfeita [CONCLUÍDA]
Teen FictionElisa Bernardi é a filha perfeita: ela tem boas notas, dança ballet, ajuda em um abrigo de animais e tem um exército de pretendentes atrás de si. Mas essa não é a história de Elisa. Angélica Bernardi cresceu sendo comparada com a irmã mais nova e, d...