11- Em casa

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Assim que empurrei porta de casa uma bolinha de pelos branca e marrom começou a pular nos meus pés como se tivesse molas embutidas.

— Marie, sai! — reclamei afastando a cadelinha com a ponta do meu coturno. Claro que ela me ignorou completamente e continuou fazendo a festa embaixo de mim com os olhinhos brilhando e o rabinho curto indo de um lado para o outro muito rápido.

Não resisti a pegar ela no colo. A filhotinha estava ficando cada dia mais pesada e passei os dedos pelos seus fios lisos e bonitos. Ela estava com cheiro de lavanda do banho que tomou mais cedo.

Ela não parou quieta, se contorcendo e tentando alcançar a minha cara. Eu não gostava muito de cachorros — eles eram enérgicos demais — mas estava começando a cair no encanto daquela diaba da tasmânia em miniatura.

— Angélica, coloque a cadela no chão, vai sujar a sua roupa — a voz da minha mãe veio detrás do sofá, soando exausta.

Coloquei o animalzinho no chão. Marie disparou na direção dos quartos e circulei o sofá.

Mamãe estava sentada com a sua postura perfeita no sofá branco, usando um vestido cinza-chumbo pouco abaixo do joelho e um salto grosso elegante, combinando com a sala em tons de branco e cinza.

Um vinco profundo marcava entre as suas sobrancelhas, dando a impressão de que a sua carranca nunca deixaria seu rosto.

— Tudo bem com a senhora? — perguntei baixinho, me aproximando.

Ela sacudiu a cabeça, suspirando e deu um tapa no sofá para que eu sentasse ao seu lado.

— Elisa já saiu com a Miyuki para o estúdio — me contou em voz baixa como se eu já não soubesse de cor a rotina da minha irmã.

Mamãe se levantou e começou a andar de um lado para o outro pela sala, o seu salto fazendo toc-toc-toc conforme ia e vinha.

— Seu pai não ficou muito feliz por você não ter almoçado aqui — sussurrou e estremeceu. — Você deveria estar aqui, querida.

Sacudi a cabeça. A vontade de dizer "foda-se" era grande, mas soltei o ar em uma expiração pesada.

— Eu estava estudando — respondi simplesmente.

Mamãe assentiu.

— Eu sei — ela concordou com a voz mais apaziguadora que ouvi na vida. — Mas você sabe como o seu pai é.

— Ele é um babaca — concordei enfaticamente.

Mamãe pressionou os lábios firmemente.

Alguns segundos depois el parou diante de mim e pegou as minhas mãos nas suas de unhas impecáveis.

— Ele ainda é o seu pai — lembrou em voz baixa e gentil, afastando uma mecha do meu rosto.  Nenhuma palavra sobre eu estar mentindo. — Eu sei que as coisas estão horríveis nos últimos meses. Eu não te dei o apoio que você merecia depois da morte do Rafael, eu sei disso e sinto muito, Angélica. Só que eu peço que você tenha paciência comigo e com o seu pai. A loja está indo mal e isso reflete aqui em casa, você sabe... Ele anda muito estressado ultimamente com os negócios.

Com a loja e as prostitutas, eu queria dizer, mas não tinha coragem. Eu ainda lembrava daquela noite depois do cinema quando mamãe estava olhando o nosso álbum de família parecendo absurdamente destruída.

— Você não fez nada errado, mãe — respondi dando um tapinha na sua mão. — Sei que você só está preocupada com o vovô e está tudo bem. Como ele está?

Ela suspirou e brincou com a barra do seu vestido de bom corte, abaixando olhar para seus pés.

— Melhor, mas câncer na idade dele... — ela estremeceu.

Química Imperfeita [CONCLUÍDA]Onde histórias criam vida. Descubra agora