Capítulo 24 - Cartas sobre a mesa

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Os três cientistas atravessaram a porta inclinada e desceram as escadas até a sala de controle. Era impressionante a rapidez com que os Novos haviam colocado as coisas em ordem. Nem parecia a mesma sala destruída na qual eles haviam se reunido poucos dias atrás. Porém, além da surpresa de ver a sala reconstruída, ficaram confusos com o fato de que não tinha ninguém ali. Estavam completamente sozinhos. Haviam chegado no horário estabelecido então esperavam que houvesse alguém para recebe-los, afinal de contas não faziam ideia de como aquilo seria feito. Haveria uma votação? Seria uma conversa entre todos culminando em uma decisão? Melhor achar os líderes daquele lugar logo. Resolveram olhar no laboratório de Znaniye e também não havia ninguém ali. Começaram a se perguntar o que poderia estar acontecendo.

Ao voltar para a sala de controle, entretanto, se depararam com Prochnost saindo dos fundos daquela sala. Vinha de uma escada que dava para uma espécie de porão. Já haviam reparado naquela porta, mas ela parecia tão abandonada na época quanto o resto do lugar. Subia as escadas sozinho e possuía o mesmo ar de tranquilidade de sempre, como se soubesse onde cada passo iria dar e onde o resultado de cada decisão o levaria.

Talia deu um passo a frente e se adiantou a seus amigos:

– Onde estão os outros? Acredito que seja um assunto que cabe a todos nós.

– Talvez caiba sim, Talia – respondeu Prochnost. – Mas a verdade é que o assunto já está decidido. E sinto lhes informar que vocês não têm nada a ver com isso.

Ainda tentavam entender o que aquela mudança brusca na comunicação de Prochnost significava quando rapidamente ele passou por eles e se posicionou de costas para a escada que dava para a saída.

Tomado pela surpresa, assim como suas duas companheiras, Michael se virou para Prochnost:

– O que está acontecendo aqui?

– Por favor, sentem-se e eu explicarei tudo para vocês.

Impressionados pela visão daquele ser agora se posicionando imponente em frente a única saída que eles possuíam, e ainda esperando obter respostas, os três cientistas apenas obedeceram e se sentaram na bancada mais próxima a eles. Só então Prochnost se dirigiu ao centro da sala e, de frente para eles, começou a explicar tudo nos mínimos detalhes, como se fosse um palestrante para aquela pequena plateia:

– Eu sinto que errei – começou ele. – Talvez eu tenha demorado demais para notar, talvez eu estivesse mais ocupado tentando me entender, de modo que não tive tempo de enxergar tudo com clareza, mas o importante é que eu finalmente enxerguei, finalmente obtive minha iluminação. E eu estou falando de mim mesmo, mas a verdade é que todos nós, os Novos, erramos. Não devíamos ter colocado um peso tão grande nas costas de vocês. A responsabilidade pela vida de inúmeras espécies, incluindo a sua própria? É um fardo grande demais para costas tão pequenas. Então eu precisei consertar isso, colocar o trem de volta aos trilhos, devolver a vocês a inocência de apenas aceitar as decisões tomadas por instancias superiores sem se envolverem na discussão.

"Essa manhã eu acordei com um propósito bem definido, eu seria o responsável por salvar a galáxia. Vocês não tinham o pulso, nem os meios necessários para isso, então eu tomei a liberdade e decidi por vocês. Naquela sala – disse apontando para uma porta nos fundos da sala de controle – está a arma mais poderosa que a humanidade jamais ouviu falar. Uma coisinha minúscula se comparada com o poder que ela é capaz de exercer. Para quem olha sem conhecer, é apenas mais um computador igual a esses que estão na frente de vocês, mas nas minhas mãos é capaz de tornar tudo o que eu planejei em realidade. Nele se encontra o acesso a todos os sistemas de defesa do planeta Terra. Cada arma, cada míssil, cada satélite, cada foguete espacial controlado de dentro daquela sala bem ali. Ah, não tem necessidade dessa cara de espanto, eu não vou destruir a Terra nem nada parecido, muito pelo contrário.

"Depois que eu garanti que aquele computador estava funcionando e que todos os cabos e comunicações estavam intactos, protegidos embaixo de alguns metros de terra, eu parti para colocar meu plano em ação. Eu não sei o quanto vocês conhecem a região, mas há algumas centenas de quilômetros daqui fica um dos lugares mais importantes da Terra no momento: o Cosmódromo de Baikonur. Desativada para o restante do mundo, a base de lançamentos espaciais serviu perfeitamente para o propósito do Projeto NOVA. Aproveitamos a instalação e apenas instalamos os foguetes em cavidades na própria terra de modo que não ficassem expostos às intempéries. Então não foi surpresa quando cheguei lá e encontrei todos os foguetes perfeitamente preparados apenas esperando para serem lançados. O plano inicial era terraformar os planetas e desse modo garantir a sobrevivência da humanidade. Mas eu fiz uma pequena alteração no projeto. Esqueçam terraformação, esqueçam essa fixação de transformar o universo em uma repetição de 'planetas Terras', esqueçam essa baboseira de que a humanidade irá se espalhar pelo universo, algo muito mais importante vai tomar esse lugar: Vida. Não seres humanos, mas seres livres para ser o que a evolução de cada planeta os transformar. Sete lançamentos, sete sondas de impacto capazes de alterar toda a vida na galáxia, sete bombas de bioformação que colidirão com cada planeta do sistema solar, desenvolvendo vida a partir das características de cada um. Estaremos vivenciando uma nova fase de renascimento para a galáxia, sem a interferência antrópica. Toda uma galáxia nascendo em equilíbrio e igualdade bem diante dos seus olhos.

"Então eu voltei para cá e expliquei tudo aos meus companheiros. Cada detalhe, cada motivação que culminou no momento em que estamos. Eles ouviram em espanto enquanto eu falava. A verdade é que o Protocolo NOVA não abrangia a possibilidade de sobreviventes humanos na Terra. Então, enquanto os foguetes cuidavam de transformar a via láctea em um lugar perfeito para os humanos, nós faríamos o papel de repovoar a Terra com a humanidade. Mas tivemos uma surpresa ao encontrar com vocês, então entramos em consenso, concordamos que vocês tomariam a decisão sobre o futuro que a vida da sua espécie tomaria. Decisão que agora eu vejo que é demais para vocês. Sendo assim, eu expliquei tudo para meus companheiros. Eu esperava que eles me entendessem, me apoiassem, ficassem ao meu lado para trazer equilíbrio para o universo. Agora imagina a minha surpresa ao descobrir que meus parceiros, espécie da minha espécie, preferiram ficar ao lado dos humanos que destruíram quase tudo. Eles não conseguiram recomeçar, se aceitar como uma nova espécie, superior às demais. Eu não podia acreditar nisso, eu discuti com eles, argumentei, até que não aguentei e cedi aos meus impulsos mais humanos. Eu não me orgulho dessas ações, foram momentos de descontrole, de domínio da natureza agressiva humana. Mas, infelizmente, arrependimento não muda o passado, e meus companheiros estão mortos, pelas minhas próprias mãos, naquela mesma sala onde eu ativei o projeto que espalhará a vida pelo sistema solar."

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