Capítulo 42 [Participar]

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2011

Gizelly

Meu celular tocou estridente na sala enquanto eu procurava alguma coisa para comer de café da manhã. Mais um fim de mês chegava e, com ele, nosso orçamento reduzido e a necessidade de usar MUITO a criatividade para criar nossas refeições com ingredientes aleatórios. Entre gritos de Bianca e o toque insuportável eu consegui alcançar o aparelho. Um número desconhecido piscava na tela e eu pensei algumas vezes em não atender. Mas por que não, né? Só espero que não seja telemarketing essa hora.


- Alô.

- Oi Gi. - uma voz animada soou do outro lado da linha, mas nem explorando todas as minhas memórias eu consegui saber quem era. Talvez uma colega da faculdade? Eu mataria alguém que estivesse ligando para perguntar de matéria no sábado de manhã

- Desculpa, quem é?

- Poxa, alguns dias só e já não lembra de mim? Achei que não dava pra esquecer fácil assim. -não podia ser! Será?

- Ivy?!

- Bingo! Vou te dar um desconto pela demora, porque só nos vimos duas vezes, mas não sei se vou perdoar você por não ter pedido meu número em nenhuma das duas.

- Deixa eu me redimir então, salvando ele agora e...te levando para um jantar japonês?

- Pizza.

- Te levando para comer pizza! Hoje, mais tarde, você está livre?

- Para você, sim. Me manda o seu endereço e eu te encontro aí às...

- 19h. - repassei a frase dela na minha cabeça e me atentei para o que esteve implícito - Você não prefere ir em algum lugar?

- Não, a não ser que você não me queira na sua casa.

- Não, não é isso, é que está uma bagunça e...

- Pode ter certeza que eu só vou prestar atenção em você. - aquela frase me desconcertou inteirinha, eu nunca soube responder à coisas assim. Do outro lado da linha Ivy percebeu, rindo alto e finalizando a conversa - Até 19h então!


Corri até o quarto de Bianca assim que a linha ficou muda e eu enviei o endereço por mensagem. Ela e Miguel estavam vendo fotos de garotos no computador e não deram muita atenção para o meu estado animado parado na porta, mesmo que eu estivesse quase pulando.


- Eu tenho um encontro!

- Com quem? - Miguel pulou da cama na mesma hora, abrindo um sorriso curioso.

- Se for com a Marcela eu vou quebrar esse copo na sua cara. - minha amiga respondeu sem nem desviar o olhar da tela do computador, balançando o copo de vidro com água para reafirmar sua posição.

- Não é a Má. A Ivy me ligou.

- Ivy? É aquela que você beijou na festa da Flavinha sábado passado?

- Sim, a segunda. A primeira eu não lembro o nome, Mariana acho. Mas enfim, eu vi a Ivy no domingo também, no after que você não foi.

- Desculpa, estava muito ocupada beijando amiga.

- Hoje eu vou me ocupar assim também, graças a deus. Ela vem pra cá às 19h.

- Vai ser aqui? - concordei e ela segurou uma risada que seria bem maliciosa - Vou preparar meus fones de ouvido então.

- Eu até falaria que não precisa, mas vai saber. - sorri e sai pela porta, precisava arrumar o quarto e um look pra hoje à noite.

- Quem te viu, quem te vê furacão! - ouvi Miguel gritar quando eu já tava no corredor.

- É o fim da bruxa, amém! - Bia completou e eu ri, entrando para o quarto. Eu ainda estava falando com Marcela, mas era bom ser convidada para algo no sábado à noite em vez de ter que ficar implorando que ela escolhesse sair comigo.


2020
Rafaella

Minha pequena discussão com Gizelly flutuou na minha cabeça durante todo o dia. Durante as aulas eu focava nos passos e coreografias para o festival, mas nos intervalos os olhos castanhos inundavam minha mente. Eu não tinha sido justa com ela, claro que fazia todo o sentido ela arrumar um quarto para o Léo na casa dele, mas às vezes ainda era estranho dividir o meu filho com outra pessoa. Mesmo que eu amasse essa pessoa. Talvez minha resistência fosse ainda maior porque um quarto lá e nosso possível término significava que ela não teria que passar tempo algum comigo. Era difícil ver uma vida sem Gizelly daqui para frente.
Cheguei em casa já depois do jantar. Eu estava cansada, física e mentalmente. Encontrei dona Márcia na sala com Léo em seu colo, Alessia de um lado e Sofia do outro, todos concentrados em um filme na televisão. Parei para dar um beijo em cada um dos pequenos e aproveitei para perguntar sobre a Gi. Sua mãe me informou que ela estava enfurnada nos quartos a tarde inteira. A encontrei no quarto de hóspedes, medindo as paredes enquanto equilibrava um notebook no berço de montar onde Léo estava dormindo.


- Precisa de ajuda? - ela me olhou por alguns segundos depois de se assustar com a chegada repentina, ela estava chateada, era um fato. Acenando um "não" ela se voltou para o trabalho, mas eu entrei assim mesmo, pegando em minhas mãos o computador que parecia prestes a cair. Ela não me olhou, nem por um segundo e eu consegui ver seus olhos brilhando com lágrimas - Me desculpa Gi, desculpa mesmo. Faz mais do que sentido o Léo ter um quarto aqui. Eu estava irritada e...eu falei sem pensar.

- Eu não queria fazer isso sem o seu apoio.

- Não vai, vamos em frente. Eu tô aqui. - ela sorriu e me deu um beijo leve nos lábios.

- Posso te mostrar minha ideias?

- Claro. 


Ela pegou a minha mão, um sorriso ocupando todo o seu rosto. Sentamos nas cadeiras do escritório enquanto ela me mostrava diversas fotos de quartos de bebê que ela tinha salvado, falando o que tinha amado mais em cada um e como poderíamos fazer aquela obra toda sem quebrar nada. Era tudo muito lindo, assim como o brilho no seu olhar enquanto ela falava sobre tudo que já tinha pensado, sempre me perguntando se eu gostava ou não. Se o Léo gostaria. Combinamos que esse seria um projeto nosso e decidiríamos cada etapa juntas. Talvez eu só precisasse mesmo de um pouco paciência. Era só um buraco na estrada, não o fim dela.



02/03 😉


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