Prólogo

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Há 40 anos, bem antes de eu nascer, o mundo estava começando a se ajustar a nova ordem mundial. Com o aparecimento repentino dos carniçais, os humanos estavam em perigo de extinção. Com a sua única fonte de comida ameaçada, os vampiros só tinham uma opção: se revelarem aos humanos; e assim prometeram paz e proteção, em troca os humanos teriam que fornecer sangue para que eles continuassem existindo.

No começo, a maior parte das nações do mundo foi contra, mas não existiam armas que detivessem os carniçais. As primeiras nações a se submeterem aos vampiros foram Japão, China e as Coréias. Aos poucos, cada país foi aceitando que os vampiros eram a única solução para o mal dos carniçais.

Os vampiros não queriam a dominação mundial, eles já tinham isso por debaixo dos panos. O que queriam era implementar um sistema de banco de sanguíneo privado, onde os humanos poderiam vender seu sangue por uma boa quantia de dinheiro a cada 6 meses. Sem opções, o mundo viu lentamente a VB corp. se tornar o maior sistema de bancos sanguíneos mundial e única fonte de alimento para vampiros. 

Aos poucos vampiros e humanos começaram a viver em harmonia. Com a humanidade beirando a extinção, os vampiros criaram meios de preservar a vida humana, acabando com a insalubridade, pobreza e dando boas condições de vida a todos os humanos.

Os países do continente africano saíram um por um do espectro de pobreza. Os vampiros disponibilizaram: remédios, saneamento básico, escolas e faculdades. Os africanos começaram a eleger vampiros para cargos públicos. No Brasil o que aconteceu não foi muito diferente. Na primeira eleição à presidência que um vampiro participou, ele ganhou no primeiro turno e em menos de 2 anos as mudanças no país eram claramente visíveis.

Houve uma guerra sangrenta entre carniçais e vampiros durante 3 longos anos, as baixas de vampiros e carniçais foram enormes e os vampiros conseguiram praticamente erradicar os carniçais da face da Terra. Os que sobraram começaram a viver nos esgotos das cidades e em meio as florestas, sobrevivendo de humanos desavisados e restos mortais que conseguiam roubar dos cemitérios.

Minha mãe nasceu nesta época de incertezas, ela e a irmã perderam os pais muito novas. Eu nunca ouvi muito dos meus avós, mas da irmã eu sempre ouvi bastante. Elas cresceram num orfanato para crianças desamparadas. E desde que entrou no orfanato, minha mãe jurou que protegeria os humanos custe o que custasse. Então, quando ela ficou sabendo do recrutamento para a brigada especial de combate aos carniçais ela não mediu esforços para entrar e, aos 18 anos foi a primeira humana a entrar na brigada especial. Ela lutou bravamente ao lado dos vampiros, ela não tinha medo, queria fazer do mundo um lugar melhor para sua irmã. Aos 26 anos ela prestou exame para virar vampira. Sim, ela poderia ter pedido para algum de seus companheiros de batalha a transformar, porém ela queria fazer tudo do jeito certo, queria mostrar a todos que era digna de um dia ser chamada de salvadora dos humanos.

Enquanto isso a irmã dela se meteu em muitos problemas durante a juventude. Drogas, bebidas envolvimento com pessoas suspeitas. As duas pareciam água e óleo de tão diferentes. Não foi nenhuma surpresa para minha mãe quando sua amada irmã se apaixonou perdidamente por um traficante e acabou engravidando. O pai da criança desapareceu assim que soube da notícia. Minha mãe não se abalou, na verdade ficou muito feliz em ter mais um membro na família. Ela começou a trabalhar mais ainda para prover a irmã e o bebê que logo chegaria.

Sendo totalmente acolhida por minha mãe, ela abandonou a fase rebelde, arrumou um emprego como caixa de um dos poucos supermercados que ainda funcionavam em meio à guerra e decidiu que seria uma mãe que sua filha poderia se orgulhar.

Quando ela estava no sétimo mês de gravidez, o impensável aconteceu. Estava um dia lindo e ela voltava da consulta com o obstetra. Ele havia dito que provavelmente a criança nasceria a qualquer momento e, enquanto ela andava pela calçada voltando para casa um carniçal saiu de algum lugar e atacou-a, em plena luz do dia, numa avenida movimentada.

A ambulância foi chamada imediatamente, mas, não chegou a tempo de salvar a mãe, só conseguiram me salvar. Minha mãe foi o mais rápido possível ao hospital, mas já era tarde para sua irmã, ela nem pode se despedir. Mesmo tendo uma vida agitada trabalhando a frente da brigada especial, ela resolveu me adotar e, em homenagem a sua irmã, me deu o nome dela, Melanie.

Minha mãe saiu da brigada especial, agora tinha uma recém-nascida para cuidar. Por todo o tempo que trabalhou lá, seu antigo chefe conseguiu uma vaga para ela na sessão de crimes contra humanos na polícia civil. Ela começou a investigar vampiros que quebravam as leis sobre consumo de sangue e tráfico de humanos.

Minha mãe me criou como pode, do jeito que sabia. Ela era muito exigente, principalmente com meus estudos, queria que eu me tornasse advogada. Eu sempre disse para ela que um dia eu seria uma policial igualzinha a ela. 

Quando eu tinha 18 anos, ela trouxe Alice para nossa casa. Eu jamais imaginaria que minha mãe queria outra filha. Quando a indaguei sobre o motivo de ter trazido uma jovem de 16 anos para viver conosco, a única resposta dela foi:

- Eu vi nos olhos dela, filha. Ela precisava de alguém, ela precisava de cuidados, amor e carinho.

Mamãe nunca me disse de onde a Alice veio. Nem quando perguntei para própria Alice obtive resposta.

Minha mãe morreu quando eu tinha 22 anos. Ela estava investigando uma pessoa poderosa que eu, sinceramente, não faço ideia de quem seja. Ela nunca falava sobre seus casos com ninguém, ela tinha medo de haver um espião no departamento e que ele me sequestrasse ou algo assim. Gosto de acreditar que ela nunca disse nada pela minha segurança.

Um dia, quando eu voltava da faculdade, vi o carro da polícia em frente a nossa casa. Eles estavam falando com a Alice, que estava chorando muito. Quando cheguei perto eu só ouvi o policial dizendo:

- Preciso que vocês vão à delegacia para identificar o corpo.

- Corpo? Do que cês tão falando?

Eu perguntei meio confusa e, a Alice em prantos disse:

- É a Sara. Pegaram ela Mel. Pegaram ela antes que ela os pegassem.

Foi a primeira vez que vi a Alice chorar. Ela não chorou ao ver o corpo decapitado de nossa mãe, não chorou no funeral e provavelmente, não chorou ao me deixar sozinha durante os últimos 10 anos. 

Eu via em vários lugares “Sara Garcia, renomada policial vampira degolada” ou “Policial vampira que investigava vampiros foi assassinada” e a mais cruel de todas: “vampira que investiga sua raça tem fim desastroso”. A morte da minha mãe saiu nos jornais. Houve uma grande investigação.

As únicas coisas que descobriram na investigação era que outros policiais, alguns homens de negócio e traficantes de humanos de outras partes do Brasil haviam morrido da mesma forma que minha mãe então, provavelmente, ela foi morta por um assassino profissional que foi apelidado de Decapitador, pois as vítimas eram decapitadas antes mesmo de se darem conta do que estava acontecendo.

Minha mãe foi a última vítima do degolador que se teve notícia nos últimos 10 anos. Todos acreditavam que ele tinha fugido do país ou até mesmo morrido, mesmo assim as investigações se estenderam por mais quatro anos após sua morte.

Sem nenhuma resposta, resolvi deixar o passado no passado e realizar meu sonho de me tornar uma policial tão boa quanto a minha mãe. Terminei minha faculdade de direito, fiz pós-graduação em direitos das raças e prestei concurso para a polícia civil. Eu poderia pedir para algum conhecido da minha mãe me colocar para dentro, porém, quero conseguir com meus próprios méritos.

A única coisa que eu não estava esperando é que depois de 10 anos, Alice resolveria me procurar para dizer que o homem que levou a heroína da minha infância, a mulher que me criou, que me deu força para chegar onde cheguei estava de volta.

ALMA VAZIAOnde histórias criam vida. Descubra agora