ALMA VAZIA

06 - Erro

Acho que esqueci como se dorme. Passei a noite toda rolando de um lado a outro da cama, sempre que quase pegava no sono meu cérebro me dizia: “ei, mel, você sabe que ela pode entrar nesse quarto a qualquer momento”, aí eu ficava paranoica por alguns minutos, falava para mim mesma que isso era bobagem e tentava pegar no sono, e o processo se repetia mais uma vez e outra, e outra...

Por fim, desisti de dormir. Achei melhor sair de uma vez para o trabalho, afinal, quanto mais cedo eu conseguir o que a Alice quer, mais cedo ela vai embora.

Fui tomar um banho, me arrumei para o trabalho com uma blusa polo branca de algodão, uma calça comprida preta e botas de couro falso. Simples, linda e fatal! Eu fico muito feliz que as regras de vestimenta da polícia civil serem mais abrangentes que as das policias militar e federal.

Diferente da polícia militar que lida com pequenos roubos, flagrantes e coisas menores e da polícia federal que investiga qualquer indício de corrupção cometida por nossos governantes, na polícia civil, trabalhamos com esquemas de corrupção, tráfico de drogas, pessoas, animais entre outras áreas. A minha área de atuação agora é conhecida como crimes contra humanos, ela basicamente investiga qualquer vampiro que tenha ligação com infrações das leis de proteção a humanos.

Como é um departamento que investiga vampiros, ele não é o mais querido pela minha raça na hora de escolher em que parte da delegacia quer trabalhar. Na verdade, a polícia civil como um todo, não é muito querida pelos vampiros, já que, praticamente todos os bandidos poderosos de todas as repartições são vampiros e, para os fundamentalistas da raça, vampiros que traem sua raça, negam seu destino e só tem a morte como futuro. Vampiros que querem viver como homens da lei preferem entrar no batalhão especial e ir para a sangrenta guerra contra os carniçais nas áreas tomadas. O norte e o centro-oeste foram totalmente tomadas enquanto partes do nordeste, sudeste e sul estão lentamente sendo expurgadas dos carniçais. Apenas as áreas litorâneas estão totalmente seguras. Em algumas ilhas foram feitas cidades povoadas apenas por humanos, com o intuito de deixá-los viverem sem a interferência vampira.

Quando chego a delegacia, vejo que ela está meio vazia. Apenas o recepcionista Alex e dois investigadores estão de plantão. Chego perto de um deles, o Mendonça, e pergunto:

- Por que este lugar está tão morto?

- Ué guria, tu não tá sabendo?

Mendonça é um descendente de uma família gaúcha, então tem um jeito de falar muito esquisito. Ele tem cabelos muito loiros e olhos azuis claros. Uma pena que seja feio como uma batida de moto.

- O que eu deveria saber?

- Bah, o Mafalaia foi morto durante essa madrugada. 

- O pai ou o filho?

- O filho.

Simão Mafalaia é, ou era, um picareta de marca maior. Filho de um homem que se dizia santo, pregava para humanos dizendo que os carniçais eram uma praga divina para castigar os impuros e só com os vampiros que conseguiriam viver em paz, tirava dinheiro dos fiéis e, seu filho era tão mal caráter quanto o pai. O pai conseguiu comprar uma transformação vampírica para o filho, e estava planejando se transformar, se é que já não se transformou. Existiam suspeitas de que ele estava envolvido com o tráfico de humanos, por isso foi levado preso, depois a umas 3 semanas atrás. 

- Tu sabe que foi a máfia, né?

- Com certeza, tchê.

Eu ainda estava na Narcóticos quando prenderam o Mafalaia. Eu fiquei sabendo pois policial é um bicho fofoqueiro que só, e todo mundo sabia que a prisão dele era morte na certa.