Logo quando virei uma assassina, eu não era muito boa em matar. Eu tremia para apertar o gatilho ou manejar uma faca, e, em uma dessas fraquejadas, quase morri. Eu não lembro o nome do meu alvo na época, mas lembro bem o que aconteceu aquele dia: Eu estava perseguindo o cara até um beco deserto, eu tinha decidido usar um fio de aço para enforcá-lo até a morte. Tudo estava correndo como o planejado, até o cara tirar uma faca do bolso e perfurar minha barriga. Fiquei desesperada, e acabei soltando o fio.
Ao se soltar ele me chutou para o chão e pegou o fio para me enforcar. Naquele momento eu pensei que seria o fim e provavelmente seria, se uma criatura pequena de olhos vermelho sangue não pulasse em cima do cara e começasse a comê-lo sem nem pensar duas vezes. Eu não me lembro muito mais do que aconteceu porque desmaiei após o ataque.
Eu acordei num lugar velho e sujo. Um prédio abandonado não muito longe do beco em que eu quase morri. Quando eu tentei me levantar, ouvi algo mexendo próximo a mim.
- Você está bem?
Foi difícil enxergar em meio a escuridão, mas pude ver uma criatura que parecia um ser humano. Ele deveria ter minha altura, cabelos pretos, longos e sujos, os olhos eram totalmente vermelhos, tinha orelhas pontudas, andava de um jeito meio corcunda e sua pele era de um tom cinza claro. Ele era um carniçal. Eu nunca tinha visto um tão de perto, mas tudo que eu já tinha ouvido falar era que normalmente quando carniçais vêem humanos, sua primeira reação é se alimentar.
- Você ainda tá machucada?
- Eu... tô bem.
O garoto deu um sorriso largo.
- Sabia que aquele kit de primeiros socorros ia ser útil, por isso eu roubei.
O garoto parecia super orgulhoso de si mesmo. Eu olhei pra baixo e minha cintura estava toda enfaixada.
- Vo-você fez isso?
- Claro que fui eu. Não tem mais ninguém aqui. Se eu não tivesse aparecido, você teria morrido.
- Claro que eu não teria morrido, eu ia dar um jeito naquele cara.
- Até parece.
- Você é muito metido pra um carniçal.
O garoto parou de sorrir. Sempre me disseram que carniçais eram criaturas sedentas de sangue que não sentiam remorso ou culpa. Eram cascas vazias sem alma e sem propósito, e o que eu via na minha frente? Um jovem carniçal magoado.
- Eu não gosto que me chamem assim.
- E como você quer ser chamado, pivete?
- Eu sou o Rato.
- Rato?
- Sim! Esse é o nome que a minha mãe me deu antes de desaparecer.
- E quantos anos você tem senhor Rato?
- Eu tenho 8 meses. Sou o mais velho do meu clã.
- E onde está seu clã?
- Por enquanto sou só eu, mas logo eu terei uma família e muitos filhos. Eu contarei a eles o dia em que eu salvei uma criança vampira das garras dos humanos.
- Eu não sou criança, tenho 25 anos e, principalmente, não sou vampira. Eu sou humana.
- Não é não. Você não tem cheiro de humana. Você não tem cheiro de algo apetitoso. Você tem cheiro de morte, parecido com o dos vampiros. Eu até fiquei com medo de ser morto por você, mas, jamais deixaria alguém que precisa de ajuda passar necessidade. O Homem-Aranha jamais deixaria.
- Homem-Aranha?
O pequeno Rato puxou uma revista em quadrinhos velha e muito suja de uma pilha de papeis.
- Ele é meu super-herói favorito e, eu quero ser igual a ele.
- Mas como você vai ser igual a ele se você precisa comer humanos?
- Eu só como os caras maus, igual o cara que tentou te matar.
Ele disse com um sorriso.
Sinceramente, eu esperava encontrar algum carniçal eventualmente, mas não estava preparada para encontrar uma criança tão simpática e fofa como o Rato. Eu não podia deixá-lo naquele lugar, então, comprei uma casa próxima a casa da doutora Rosa. Eu equipei o lugar com um bom computador, televisão e tudo que uma pessoa precisa para viver confortavelmente bem. A doutora provê carne humana para que ele não passe fome e testa nele as vacinas inibidoras. Eu uso a casa como ponto de descanso nas vezes que venho a cidade já que eu vivo mais em hotéis pelo Brasil e pelo mundo. Sou uma assassina requisitada, não posso ficar parada.
Nos últimos cinco anos, o Rato se especializou em todo tipo de sistema de computadores, é conhecido mundialmente como um hacker perigoso com o apelido virtual de ratoaranha66. Todas as grandes nações procuram por ele há pelo menos uns dois ou três anos.
A parte externa da casa que eu comprei tem muros muito altos com arame farpado enrolado no topo. O portão é de aço com aparência de envelhecimento. Por fora, a casa parece um mausoléu caindo aos pedaços, a pintura branca está encardida e descascada sem contar as diversas pichações por toda parte. Tanto o quintal quanto a garagem parecem habitados por animais peçonhentos e perigosos. E a parte interna é bem parecida com a externa, exceto pelo porão, cozinha e a sala de armas.
Quando entro em casa, vou direto para o porão, que é onde meu melhor amigo passa a maior parte do tempo. Hoje ele é muito mais alto que eu, tem uma barba tão grande quanto o cabelo. Sua pele continua cinza e seus olhos vermelhos, porém ganhamos dinheiro o suficiente para comprar maquiagens artísticas e lentes de contato para ele usar quando quiser sair ou ir no cinema, e ele usa um gorro preto de lã para esconder as orelhas pontudas.
No porão tem uma cama de casal repleta de revistas e com alguns consoles portáteis, umas 4 estantes abarrotadas de livros, gibis, jogos, dvds, mangás e action figures diversos e o grande amor da vida dele: sua estação de trabalho, que consiste em 4 cpus completas, 6 telas e um monte de coisas que eu não faço ideia do que é. Tudo custeado pelos vários assassinatos que cometi. Com essa mesa ele controla a segurança da casa, encontra todos os meus serviços e nos mantém invisíveis do resto do mundo.
- Rato, onde o Mafalaia se encontra?
Ele nem olha para mim. Apenas digita alguma coisa no computador e fala rapidamente.
- A última vez que ele usou o telefone foi na casa dele. Vou mandar as coordenadas pro seu celular. Você vai pelo método clássico ou pelas causas naturais?
Eu sorrio e vou em direção a um armário próximo a mesa de trabalho do Rato. Estou com preguiça demais para subir e entrar na sala de armas, então escolho uma glock semiautomática, 3 pentes e 2 carambites que guardo lá para momentos que quero sair rápido de casa.
- Hoje tô a fim do método clássico. As causas naturais estão ficando suspeitas demais. Mês passado saiu em uma revista que os vampiros deveriam ir ao médico por conta dessas mortes naturais.
- Ainda bem que este país não investiga nada direito.
- Ainda bem que nesse país não existe ninguém como eu.

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ALMA VAZIA
Mystery / ThrillerMelanie é uma policial dedicada e Alice uma assassina fria. O que elas tem em comum? A mãe adotiva que foi brutalmente assassinada durante uma investigação. Após 10 anos de afastamento, o destino das duas é interligado novamente. Um novo assassin...