03 - Pesadelo

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Está tudo escuro e eu não consigo me mexer. Ouço uma voz feminina... acho que é a minha mãe.

- Eu não venderei ela pra você.

Ao ouvir isso, as cores apareceram a minha volta. Tinha 12 anos novamente, estava escondida no armário da minha mãe. Tinha entrado no quarto dela para beber escondido. Sempre tinha bebida no armário, cada semana era uma diferente, porém, na maior parte das vezes era vodca barata. Eu era uma pré-adolescente precoce, vivia com minha mãe em um bordel humano, onde todas as putas bebiam, fumavam e eram bem pagas pelos vampiros ricaços que apareciam por lá. Como eu era a filha da dona, recebia uma educação de primeira e estava sendo preparada pra assumir o lugar da minha mãe no futuro. Eu queria muito parecer com a minha mãe e a sensação de beber era muito boa. Lembro-me de ouvir passos e me esconder.

- Não importa se você é influente. Não importa se você é próximo dele. Ela é minha e não está à venda.

As vozes estavam meio abafadas. Não consegui ouvir o que a outra pessoa falou para a minha mãe. E eu não podia me mexer pra ver o que estava acontecendo. Estou no quarto da minha mãe escondida. Estou com medo de ser pega.

– Você... como ousa? Quem você pensa que é?! - Minha mãe suspira, a outra pessoa que está no quarto começa a falar novamente. Lentamente tendo me ajeitar para ouvir o que a outra pessoa fala. Eu não consigo entender nada, ele está falando em outra língua?

– Certo, leve-a. Mas não quero menos de 1 bilhão. E quero anistia, além de 3 de suas melhores garotas. Dê-me tempo de me despedir. Ela pode não ser realmente minha filha, mas eu cuidei dela desde que nasceu.

Tudo ficou escuro novamente.

Eu estou sonhando?

As luzes se acendem novamente e eu vejo um quarto amplo, as paredes tem cor de sorvete de creme, a mobília parece extremamente cara e a cama que eu estou é enorme e muito macia. Parece um quarto de conto de fadas, isso se os contos de fadas fossem modernos e em vez de palácios, os príncipes morassem em casas gigantes, luxuosas e modernas. Ouço a porta abrir e me viro para ver o príncipe que me trouxe a esse lugar tão lindo e moderno, porém, quem entrou fez minha espinha congelar. Era ele. Aquele homem maldito. Barba preta e grossa, olhos gulosos me comendo antes mesmo de chegar perto de mim. Estava sorrindo largamente e vindo em minha direção. Eu fechei os olhos e comecei a pensar "isso é um sonho, isso é um sonho, isso é um sonho". Abri meus olhos novamente e vi um teto branco.

Estava deitada num sofá meio duro, muito desconfortável e provavelmente barato. tudo cheira a desinfetante e pasta de dente. Começo a me lembrar de tudo que tinha ocorrido. Eu desmaiei. Estou na casa da Mel. Estou segura. Quando me preparo pra sentar, tudo começa a girar e minha barriga ronca fortemente. Merda, ainda estou com fome. Meu corpo começa a doer um pouco. Eu estou a tanto tempo sem comer que posso cometer um crime. Quer dizer, mais um crime.

Olho para o lado e, para a minha surpresa, tem um bife grande, alto e suculento. Esqueço a tontura, me sento e pego o bife. Não é exatamente o que eu preciso no momento, mas, já é um bom e delicioso começo.

- Olha quem resolveu acordar. O soninho da beleza foi bom? Pensei seriamente em te jogar na rua para morrer de fome. - A Mel está sentada em uma cadeira não muito longe do sofá em que eu estava deitada. Ela havia trocado de roupa. Estava com uma blusa branca larga e um short curto que mostrava bastante suas pernas longas e musculosas.

-Voxe nunfa faria exo. - Eu tentei falar com a boca cheia da carne suculenta. Engoli e falei novamente: - Você nunca faria isso. Que horas são? Quanto tempo eu dormi?

-São 5 da manhã, você não dormiu muito e por que você acha q eu não seria capaz de te botar no olho da rua?

- Tu é boa demais para deixar uma pobre criança jogada na rua. - Eu fiz uma carinha de criança inocente e dei um sorriso angelical. Ela odeia quando eu faço isso e eu queria provocá-la um pouco. Certos hábitos nunca mudam.

- Pobre criança é o meu ovo Alice! Cê já tem uns 40 anos pra mais.

- Olha aqui, capitã maromba, você me respeita que eu fiz 30 esses dias

- Melhor ser a "capitã maromba" que parecer uma criança desnutrida e desbundada.

- DESBUNDADA É A SUA MÃE, SUA VACA.

- NÃO OUSE COLOCAR NOSSA MÃE NO MEIO, SUA PUTA.

- PUTA É VOCÊ SUA PIRANHA. - Nos olhamos com fúria, parecia que o tempo tinha voltado e nós éramos adolescentes de novo. Eu não me aguentei e comecei a rir. Mesmo depois de anos, depois de tudo que aconteceu entre nós, ainda éramos duas crianças chatas e mimadas. Só faltou as duas chamarem a Sara para resolver a situação. Pena que ela não estava aqui para ajudar.

- Qual a graça? - Mel perguntou, ainda furiosa comigo.

- A gente fica velha, mas as brigas nunca mudam.

- Claro, você continua a mesma garota infantil de 10 anos atrás. - A Mel se levantou do sofá, deu um longo suspiro e continuou:

- A mesma garota infantil que me abandonou há 10 anos pra lidar com todos os problemas, a mesma garota infantil que provavelmente se envolveu em alguma merda e só está aqui por que precisa de mim.

Ela me deu as costas e foi em direção a cozinha.

- Isso não é verdade Mel.

Era verdade. Eu tinha ido embora logo após a morte da Sara. Eu abandonei a Mel e todo o relacionamento que havíamos construído por vingança. Eu provavelmente estava ferrada por ter esquecido a toalha na cena de um crime que eu nem cometi e definitivamente precisava da ajuda da Mel. Eu sempre dependi da Mel para me livrar de problemas, me sair bem nas provas e... me alimentar. Ao pensar em me alimentar uma dor lancinante atravessou meu corpo. Era a dor da fome, uma dor que eu já conhecia bem.

Eu sofro de uma doença rara que a doutora rosa chamada de distúrbio da Alma vazia e ela me faz sentir uma dor lancinante se eu ficar muito tempo sem absorver energia de seres vivos, pois me alimento da energia que uma alma emite, e conforme eu vou sugando a energia, se eu não me controlar, acabo sendo controlada pelos sentimentos que estão nessa energia ou matando a pessoa da qual estou me alimentando. É graças a essa doença que eu consigo matar humanos, vampiros e até mesmo carniçais, fazendo parecer que eles morreram de alguma causa natural, afinal, ninguém consegue encontrar nenhum indicio de envenenamento, asfixia ou qualquer coisa que possa induzir a morte. Ainda não consegui descobrir como eu consigo matar a pessoa se eu me alimentar demais, mas é bem útil no meu ramo de trabalho.

É uma doença única, jamais vista em nenhum outro ser da terra ou, pelo menos, nunca foi documentada pois, eu, Sara, a doutora, o Rato já procuramos em todos os locais e arquivos médicos possíveis. Sempre que saio em missão em algum país novo, tento encontrar registros sobre a minha doença. Sejam nos locais que já foram recuperados pelos vampiros, sejam em cidades abandonadas, lotadas de carniçais.

Se eu não quiser me alimentar de energia, preciso de grandes quantidades de carne e sangue e nem é garantido que a fome vá parar. A doutora Rosa tenta fazer várias vacinas inibidoras, contudo eu fui matar um alvo. Eu não podia me dar o luxo de ter uma comigo, então mesmo depois daquele bife gigante que a Mel preparou pra mim, ainda estou faminta. Claro que estou, eu fiquei 3 dias sem me alimentar, eu preciso comer. Eu preciso da Mel.

-Mel, eu ainda estou com fome.

Ela parou e se virou pra mim com um ar de superioridade.

- Já te dei comida sua ingrata.

- Mel, não é disso que eu estou falando. - Eu comecei a tentar me levantar. A dor estava aumentando.

- Descansa que essa sua fome passa.

- Melanie você sabe muito bem que não é assim que funciona. - Ela me olhou de uma forma que por um segundo eu acreditei que ela me ajudaria, porém o olhar dela voltou a ser duro e frio quando ela falou:

-Alice, não interessa se eu sei ou não como funciona, eu não vou te ajudar com isso.

- Por favor Mel, está começando a doer. Você sabe muito bem o que acontece se eu não me alimentar agora.

Eu realmente não queria fazer o que eu tinha que fazer, mas ela estava me obrigando.

ALMA VAZIAOnde histórias criam vida. Descubra agora