Assim que acordei, me senti meio estranha. Não era pela fome, que já estava doendo meu corpo todo, sugar a raiva da Mel, nem de longe era o suficiente para me deixar saciada. Acho que tinha haver com ter dormido sob o mesmo teto dela depois de muitos anos. A presença dela parecia constante, como uma sombra ou um chiclete agarrado em seu cabelo. Quando eu era mais nova, acabei me acostumando com sua presença, afinal, dormíamos no mesmo quarto. Acho que perdi a prática.
Tudo que eu tenho que fazer hoje é ficar confortavelmente esperando a Mel, mas isso é realmente um tédio, sem falar que eu preciso me alimentar. Não quero que aquela cena com a Mel se repita. Levantei, tomei um banho e fui fuçar o armário da Mel em busca de uma roupa descente para usar. Infelizmente as únicas roupas que tem um tamanho que não fique tão estranho em mim, são roupas de dormir. Como assim essa garota não tem vestidos curtos, shorts, eu aceito até uma bermuda. O jeito foi pegar uma blusa de academia, um cinto e improvisar um vestido. Não era uma das roupas mais glamorosas que eu já tinha vestido, mas era o suficiente para sair na rua.
Dei uma olhada na geladeira, mas para o meu descontentamento, só tinha aqueles suplementos de maromba, umas caixinhas de sangue e ingredientes para salada. Nada que uma pessoa normal possa comer. Na verdade, nem acredito que ela viva só com essas coisas. Resolvi que se eu for ficar aqui por um tempo, essa casa tem que ter comida descente. Peguei minha carteira e meu celular e segui rumo ao supermercado mais próximo.
Eu raramente vou a supermercados, eles são grandes, claros e barulhentos, tem crianças humanas chorando, vampiros reclamando dos preços e uma musiquinha de fundo insuportável. Comprei ovos em pó, carne de porco desidratada, purê de batata em pó, muito miojo e comidas congeladas variadas. Só comida que eu gosto e a Mel que se vire com sua vida saudável.
Estava voltando para casa da Mel quando meu telefone tocou.
- Alou.
- Alice.
A voz era confortavelmente conhecida:
- Fala, rato.
- ONDE DIABOS VOCÊ ESTAVA?
- Tentando recuperar a toalha.
- Você ainda tá preocupada com a merda da toalha... ESQUECE ESSA MERDA DE TOALHA ALICE.
- Rato, eu posso ser descoberta por causa dessa toalha.
- Alice, aqui é Brasil, não devem nem ter ligado para toalha. Se você tivesse se cortado em algum lugar eu até entenderia essa sua preocupação.
- Não interessa, Rato. Eu não quero que tenham a mínima chance, de me encontrarem e por isso eu vim pedir ajuda a Mel.
Eu ouvi ele tentando abafar uma risada.
- Então, você tá preocupada com acharem a toalha e por isso foi até a Mel... isso por acaso não seria uma desculpa pra ver a Mel, dona Alice?
- Claro que não seu idiota. Eu estava preocupada, estava morrendo de fome e...
- E a Mel morava coincidentemente perto? Olha, eu acho que não. Pelo endereço que você me subornou pra conseguir, era mais rápido você ter vindo para a casa da doutora.
- Mas com a Mel eu tinha chance de conseguir a toalha.
- E lá vamos nós com a desculpa da toalha novamente...
- Não é desculpa.
-Tá bom, tá bom. Eu não vou ficar te pressionando. O coração quer o que o coração quer, não é mesmo?
O rato deu uma risada irônica.
- Não foi só preocupação que te fez me ligar, fala logo o que você quer, seu rato imundo.
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ALMA VAZIA
Mystery / ThrillerMelanie é uma policial dedicada e Alice uma assassina fria. O que elas tem em comum? A mãe adotiva que foi brutalmente assassinada durante uma investigação. Após 10 anos de afastamento, o destino das duas é interligado novamente. Um novo assassin...