Se neste exato momento eu pudesse me descrever com apenas uma palavra, com certeza seria vergonha. Eu não consegui concluir meu serviço, cometi um erro amador, fugi para casa de alguém que eu não via há 10 anos, ataquei a Mel por fome e a cereja do bolo: deixei meus sentimentos se misturarem a força vital embebedada de ódio da Mel e sucumbi momentaneamente.
Sucumbir é uma coisa tão esquisita. É como se toda a força vital negativa que eu assimilei me prendesse em uma caixa e esta caixa fosse jogada num mar de lodo gelado e negro. Tudo que eu consigo sentir é a escuridão pegajosa entrando por meus poros lentamente e ao mesmo tempo sinto todo o arrependimento e dor dentro de mim se expandindo rapidamente. E quanto maior fica, ele escorre por minha boca e pelos meus olhos.
Eu senti o sucumbir me levando para longe quando escuto uma voz. Quem será? Onde eu estou mesmo? Parece que estou presa aqui dentro a meses. Ouço a voz novamente, desta vez, alta e clara:
-ALICE ME ESCUTA! NÃO FOI CULPA SUA! EU QUE PEDI PRA VOCÊ FAZER AQUILO!
Aquelas palavras vieram como uma corda e me puxaram para a realidade. Não estava mais em um mar de lodo, estava olhando para uma Mel visivelmente preocupada. Quanto tempo fiquei fora? Algo quente escorria de minha bochecha. Eu estive chorando?
Fui mandada para o banheiro com uma toalha e umas roupas. Me despi e deixei a água quente escorrer por todo meu corpo. Fiquei alguns minutos observando o lugar a minha volta. Era um banheiro com ladrilhos brancos e piso rosa bebê. Isso é tão a cara da Mel: por fora uma mulher que colocaria qualquer ser da face da Terra de joelhos implorando pela vida, por dentro é uma menininha sensível e que ama cor de rosa. Olhei nas prateleiras do chuveiro e fiquei meio perdida com a quantidade de produtos para cabelo que ela tem e nenhum deles servia para o meu tipo de cabelo, obviamente. Decidi usar um pouco de um shampoo com cheiro de morango.
Enquanto me vestia, me olhei no espelho e vi a criatura mais tenebrosa possível: uma anã magra com o rosto pálido, cabelos loiros molhados e um par de olheiras pretas e profundas. Eu não sentia mais fome. Estava exausta e com muita dor no corpo. Os últimos dias foram desgastantes, porém, a última hora foi de cair o cu da bunda.
Alice estava me esperando, com cara de compaixão e pena. Como eu odeio isso. Eu praticamente a usei como jantar e ela continua me olhando como se eu fosse uma criaturinha frágil e que merece ser protegida. Se ela soubesse das coisas que já fiz para me manter viva, tenho certeza que essa expressão de agora jamais existiria.
Bom, eu não posso contar sobre o que realmente sou agora, ela provavelmente me enxotaria daqui, ou pior, me levaria imediatamente para a delegacia. Eu não devia ter vindo, mas já que estou aqui, vou tentar fazer a maníaca pela lei me ajudar.
- Mel
- Oi
- Ele está aqui na cidade. Ele me atrapalhou em um trabalho e eu provavelmente vou ser presa se você não me ajudar.
- Ele quem, Mel?
- O assassino da Sara. O degolador.
Os olhos da Mel pareceram dobrar de tamanho e, eu podia jurar que minha doce vampirinha sem emoções ficou pálida por um instante.
- Como assim ele está na cidade? Como você sabe disso?
- Ele matou um dos meus...
Eu não podia dizer a ela que o cara tinha matado um dos meus alvos.
-... clientes.
- Clientes?
- É... clientes.
A cara da Mel se fechou de repente.
- Como assim clientes, Alice? Discorra sobre esse assunto.
- Mel, eu preciso me alimentar e ganhar dinheiro. Então eu resolvi fazer os dois juntos.

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ALMA VAZIA
Misterio / SuspensoMelanie é uma policial dedicada e Alice uma assassina fria. O que elas tem em comum? A mãe adotiva que foi brutalmente assassinada durante uma investigação. Após 10 anos de afastamento, o destino das duas é interligado novamente. Um novo assassin...