As Mãos Que Liam

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       Se eu queria? Mas como perder tal uma maravilha? Aquela moça devia ser uma criatura encantada, que tinha parte não como o diabo, mas com Deus e todos os anjos. Talvez fosse uma santa, fazedora de milagres, dessas que saíram nas procissões da Saracena, acompanhadas por velas e cânticos.

       Na terça-feira vamos em bando até a igreja e nos sintamos nos primeiros bancos. Ali fiquei eu, com o coração ansioso, à espera da moça que recolhia as palavras com as mãos, como se fossem frutos maduros das árvores.

       De súbito, ela entrou. Caminhava devagarinho pelo corredor, apoiada numa bengala, da mesma forma que o monge que pedia esmolas. E, quando se aproximou do altar, fez o sinal da cruz, sentando-se à nossa frente. Tinha uma expressão bondosa, mas distante, posta no vazio. Olhava-nos, mas não nos via.

       Abrindo enorme livro, realizou um milagre. Eu a vi, então, tocando com os dedos as folhas brancas, inteiramente brancas, sem nenhuma palavra desenhada, só com alguns pontinhos em relevo, como cabeça de alfinete. Ela desse fravu papel com as mãos assim como eu decifrava com os olhos os livros do meu avô astrônomo.

       E foi para esse avô que eu fui contar correndo a novidade. Ele, porém, não se espantou. Era um homem que lia muito, que sabia muito, embora nunca saísse da aldeia. Ele viajava nos livros. (Será que também ia com os dedos, quando ninguém estava vendo?...)

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Apesar da demora eu postei a continuação, boa noite.

A Menina Que Fez A AméricaOnde histórias criam vida. Descubra agora