Capítulo 13 - Gênesis 7:10

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13


LILITH


Houveram poucas vezes em sua vida que sentiu medo.

Lembrava-se dos momentos em que seus pais trocavam seus tutores; seu pavor ao não saber como seriam os novos. Depois de tantos anos em uma constante troca de responsáveis, Lilith adquiriu uma das piores fobias que ela considerava ter: medo de se apegar. Afinal, era o que sempre acontecia. Quando seus tutores chegavam pela primeira vez, Lilith se via no direito de suprir sua saudade dos pais neles. De início, eles realmente focavam no aprendizado e treinamento dela, mas sempre caiam de amores pela garota depois de alguns anos ao perceberam que ela era apenas uma criança carente de atenção, brincalhona e que sentia falta da própria família.

O processo de substituir o carinho – inexistente – dos pais pelo dos tutores nunca chegava ao final, já que eles sempre eram mandados embora por não cumprirem sua tarefa e por Lilith ter se apegado a eles. "Lembre-se criança, você não precisa de mais ninguém quando Deus está ao seu lado". Era o que diziam e ela cresceu ouvindo a mesma frase no final de cara substituição.

Quando fez seus votos, ela se sentiu ainda mais aprisionada dentro de si mesma. A contradição bateu em sua porta na chegada a sede da Ordem da Espada Cruciforme. Lilith foi recebida com carinho e ternura, mas depois de tantos anos sendo ensinada a não se apegar, foi inevitável para ela ignorar as demonstrações de afeto, apenas isolando-se em seu quarto e fazendo o treinamento.

Claro, com o tempo isso mudou.

Não esperava conhecer pessoas como Mary, Camila, Beatrice e Shannon. As garotas tinham feito um estrago em seu coração e não de uma forma ruim. Foi com elas que Lilith descobriu o significado de companheirismo, proteção e união; agora sabia que precisava sim de outras pessoas ao seu lado além de Deus.

Infelizmente, as palavras de seus pais aterrorizaram sua mente com a chegada de Ava. O casal não tinha coragem de lhe dizer na cara que aguardavam ansiosamente pelo fim do legado de Shannon para que ela pudesse assumir o Halo. Eram "cristãos" e não seria certo desejar a morte de alguém, mas, querida, você seria uma melhor freira guerreira. Foi tão incomodada por tais palavras que sua vida se baseou em correr atrás de uma maldita auréola.

Não conseguiu ter o Halo para si, obviamente. Não era seu destino possuir o objeto. Aceitou e se redimiu com Ava. Mas a vida gostava de brincar consigo e agora ela era metade demônio? Não fazia ideia e não gostava e pensar nisso, apesar de sua mente não a obedecer nesse quesito na maioria das vezes.

Estava em pé em frente a fonte que enfeitava a fachada do cháteau, encarando seu reflexo distorcido da água. As vezes desviava os olhos para o caminhão que estava estacionado a alguns metros, na estrada de terra em frente à vinícola. Faixas pretas cobriam o que deveria ser o logo da transportadora e a placa também estava coberta. O motorista estava no interior da casa, conversando com Mary e Camila, já que Beatrice tinha se dado a função de garantir que Ava descansasse o suficiente para a próxima rodada com o Tarask.

A única certeza que tinha era que o caminhão estava ali para transportar as criaturas para Deus sabe onde. Odiava ter que criar teorias por simplesmente não poder saber de nada.

Encarou novamente o próprio reflexo na água. Seu rosto ainda estava sujo com o sangue – agora seco – que tinha escorrido pelo seu nariz. Nada doía e não haviam machucados, apenas o sangue como lembrança de que, sim, ela se feriu, mas os cortes sumiram de seu rosto como se o sonho de seus pais tivesse se realizado e ela estivesse com o Halo. Ela moveu o pescoço, observando os diferentes ângulos do nariz, queixo, testa; não havia nada.

You know I do - AvatriceOnde histórias criam vida. Descubra agora