Capítulo 1 - Passado

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Seguro firme uma das alças da mochila em minha costa com uma das mãos enquanto aperto a campainha do casarão com a outra, tentando me equilibrar na ponta dos pés.

- Residência dos Lopes, boa tarde. – a voz de uma mulher ecoa através do aparelho.

- Boa tarde – respondo – Meu nome é Wit e eu vim fazer um trabalho da escola com a Beatriz.

- Certo, a senhorita Beatriz avisou que viria. Sua entrada está permitida.

O enorme portão gradeado da mansão abre-se ao meio.

- Obrigada. – agradeço, embora ache que a mulher não esteja mais me ouvindo.

Levanto o pé de apoio da minha bicicleta e, empurrando-a, entro na residência seguindo a trilha do quintal florido. Tinha tantas árvores e flores que parecia uma floresta. Em frente a porta da casa estavam uma mulher (que parecia brava) e um homem (que sorria); ambos de uniforme cinza.

- Olá, seja bem-vinda. – era a mesma mulher da campainha, percebi – Por favor, permita que Carlos se encarregue de cuidar de sua bicicleta.

- Ah, claro. Aqui, obrigada.

O homem, Carlos, se aproxima, toma gentilmente o guidão de minhas mãos e se afasta após um aceno de cabeça. A mulher entra na casa e faz um movimento com as mãos para que eu a siga. Obedeço.

- A senhorita Beatriz está em seu quarto, irei chama-la. Com licença. – assinto e a mulher sobe a larga escadaria e segue pelo corredor da direita, saindo do meu campo de visão.

Enquanto espero, sento na lateral direita do sofá grande da sala ainda maior onde estou. Tudo ao redor era muito chique e elegante, desde o lustre de cristal no teto ao tapete felpudo no chão. Eu nunca havia estado em um lugar tão luxuoso antes, no entanto, nada era mais bonito do que as diversas pinturas coloridas de paisagens e objetos emoldadas e penduradas nas paredes.

Um menino apareceu no mesmo corredor por onde a mulher brava havia saído. Ele olhou em minha direção por alguns segundos antes de descer as escadas e caminhar até mim e, sem me olhar nos olhos, dizer:

- Levanta. Quero sentar.

Ele era criança, como eu. Seu cabelo era preto e de cachos muito bem arrumados e definidos, que lhe cobriam o pescoço, as orelhas e a testa. Suas sobrancelhas eram grossas, seu nariz arrebitado e suas bochechas eram grandes. Ele olhava para o chão, mas percebi que seus olhos eram claros.

Ele era fofo, mas foi muito grosseiro, então respondi:

- Não vou sair. Sente em outro lugar.

- Não. Esse é o meu lugar.

- Mas eu sentei primeiro.

- Mas é o meu lugar!

- Você está sendo muito mal educado.

- Estou?

- Sim, muito.

- Saia do meu lugar agora. Por favor.

- Você ainda está sendo mal educado.

- Mas eu disse “por favor”!

- Mesmo assim! Eu sou uma dama, você deveria ser gentil comigo.

Ele levantou o olhar e me encarou por rápidos segundos antes de voltar a encarar o tapete ao seus pés. Me perguntei por que ele não me olhava nos olhos.

- Você não parece uma dama.

- O que você disse?!

- Você não parece uma...

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