Além dos limites

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Cirilla

 Já havia aceitado o fato de que não conseguiria dormir tão cedo quando, de mansinho, levantei-me da cama e me esgueirei para fora do quarto após vestir parcialmente minhas roupas. Assim que deixei o ambiente quieto e banhado apenas pela fraca luz da lua, as vozes, gritos e sombras me atingiram, revelando a algazarra que ainda acontecia no salão. Tropeçando nos cadarços mal amarrados de minhas botas, fui até o balcão e debrucei-me em sua superfície, recebendo olhares despudorados dos homens ao meu entorno.

 - Uma cerveja - pedi para o bar man, que apenas bateu uma caneca em minha frente e a preencheu com a bebida fermentada. Ele realmente parecia não gostar de Geralt e eu. - Obrigada.

 Revirei os olhos, bufei e sorvi um longo gole, sentindo o líquido amargar meu paladar, contudo, sabia que se bebesse o suficiente logo o sabor não importaria mais. Sendo assim, finalizei aquela caneca e logo pedi outra. E outra. E depois mais outra. Eu bebia enquanto pensava em todo o sangue que havia sido derramado naquele dia, na moça assustada que deixamos no templo, em Geralt e sua participação na interrupção do meu autoprazer. Queria que o álcool me ajudasse a esquecer, ao menos por aquela noite, as lembranças que impediam que eu desligasse meus pensamentos e adormecesse. Mais ainda, eu queria me sentir viva, estar sob meu próprio controle e não o do bruxo. Ele era tão cauteloso e resguardado quando se tratava de mim e de meus desejos, que cheguei a questionar se ele de fato havia dito a verdade quando se declarou para mim na noite em que pensou que eu estava dormindo.

 - Foda-se ele - dei de ombros e outra vez levei o recipiente aos lábios e bebi o conteúdo em um só gole. - Outra por favor - balancei o dedo para o homem ranzinza atrás do balcão e ele rapidamente encheu minha caneca. - Se ele não vai me comer, ao menos vai pagar minha conta - resmunguei.

 Eu não sabia ao certo quantas doses eu havia tomado até aquele momento em que a taverna começou a rodar e absolutamente tudo passou a ser infinitamente mais engraçado. Aquela era a segunda vez que eu ficava bêbada, e eu mentiria se dissesse que eu amava a sensação, porém, sentir o meu corpo dormente e meus pensamentos entorpecidos era no mínimo reconfortante. Sentia que não haviam barreiras físicas ou morais para o que quer que eu fosse fazer. Eu era capaz de tudo.

 Ria das piadas dos homens maltrapilhos que se aproximavam, com suas barbas rançosas e suas fantasias de foder uma garota jovem e virgem, mas usava o restante da minha sobriedade para afastá-los assim que percebia que suas investidas se tornavam cada vez mais contundentes. Bastava apenas algumas ameaças envolvendo Geralt para que desistissem de me levar para a cama, afinal de contas, todos conheciam o Lobo Branco.

 Após mais alguns goles eu me sentia extasiada, eufórica, quente. Minhas feições deviam estar vermelhas pois eu sentia o meu rosto arder em uma vontade inebriante de me entregar aos meus impulsos. Avistei então um homem que eu ainda não tinha visto até aquele momento, porém dei-me conta de que ele havia estado no salão o tempo todo, me observando da mesa mais afastada, escondido nas sombras. Quando nossos olhares se encontraram, não tardou para que se levantasse e viesse em minha direção, fazendo com que meu coração batesse cada vez mais rápido, trabalhando cada vez mais para bombear meu sangue que parecia ter se transformado em pedra.

 - Olá - me cumprimentou casualmente, apoiando-se ao meu lado no balcão e fazendo gesto para a garçonete que passava. 

 Não respondi, talvez pela surpresa. Ele não era exatamente bonito, mas parecia ser o mais sóbrio do local, e também o menos repugnante. Seus cabelos escuros e desgrenhados estavam presos por um rabo de cabalo que lhe caia pelo ombro, e sua barba aparada não exibia sujeira ou pedaços de comida. Mesmo assim, seu hálito fedia a enxofre e seus olhos brilhavam em pura maldade. 

Lei do Destino [Reta Final]Onde histórias criam vida. Descubra agora