Capítulo 1

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Sofia

Viver a experiência de estudar em outro país é realmente enriquecedor por nos proporcionar conviver com outras culturas e, para muitas pessoas, uma oportunidade de ouro para viver novas aventuras. Porém, não foi assim que encarei essa realidade, que poderia ter sido apenas para meu bem, mas era um meio de me submeter à crueldade de valores distorcidos relacionados à minha sexualidade. Quando cheguei a Portugal, eu estava extremamente frágil e com o coração destroçado. Fui obrigada a me manter longe das minhas amigas, cultura e, o pior, ficar "órfã" de mãe e pai. Eles sempre seriam meus progenitores, mas os laços de amor haviam sido corrompidos, assim como a minha confiança em relação às pessoas que deveriam me amar incondicionalmente, mas que provaram que o amor nem sempre seria suficiente.

Minha avó, diferentemente do que eu imaginava, não era aquela pessoa pintada pela minha mãe. Ela não era nem nunca seria a responsável por me colocar nos "eixos" ou me tirar de uma "vida de pecado". Ela era mãe do meu pai, a única avó que eu tinha, mas eu nunca imaginaria que pensasse tão diferente do filho e da nora. Talvez, pelos simples fato de pré-julgarmos os mais idosos como pessoas de mente fechada e inflexíveis quanto à vida fora dos padrões da sociedade, fui surpreendida com seu jeito moderno e aberto de encarar o mundo.

Quando cheguei à Lisboa, Glória, minha avó, foi quem me reergueu e me acolheu com um abraço reconfortante e protetor. Ela não era como eu pensava ou esperava. Longe disso, foi a primeira pessoa da minha família a me apoiar, a me fazer sentir segura e acolhida, e a ajudar a me tornar orgulhosa da minha essência – uma jovem mulher homossexual, lésbica, empoderada e muito orgulhosa. E eu seria eternamente grata à minha avozinha.

Os primeiros meses foram extremamente difíceis, não só pela complicada adaptação a uma cultura diferente e longe dos amigos, como também pela minha árdua dedicação acadêmica que me consumia a paz e toda a minha energia. Meu plano era cumprir religiosamente cada requisito necessário para conquistar minha liberdade, o que envolvia passar o mais rápido possível no vestibular português. Eu dedicava o dia inteiro, como boa parte da madrugada estudando. Meu desespero em atingir minhas próprias expectativas, assim como meu orgulho ferido, fez com que eu me esforçasse exacerbadamente. Muitas das vezes, deixei de dormir e me alimentar corretamente. Até que, por cansaço físico e mental demasiados, fui hospitalizada e precisei ponderar a intensidade com a qual eu me dedicava aos estudos.

Foi penoso e me custou algumas noites de internação por fadiga e uma forte anemia, mas consegui colher os frutos e passei de primeira no vestibular, ainda no meu primeiro ano em Lisboa. E, assim, se iniciou meu longo período na faculdade.

Podia-se dizer que eu era a aluna mais aplicada, apesar de todos meus colegas de turma levarem muito a sério a profissão escolhida. Eram todos muito dedicados, mas eu me destacava por sempre priorizar, independentemente do motivo, a minha vida acadêmica. Nos primeiros períodos, eu não saia para qualquer lugar nem mesmo para as confraternizações organizadas pelos colegas da minha universidade.

Mais uma vez, exagerei no meu estilo de vida regrado demais aos estudos e precisei ser interditada pela minha avó, após precisar ser hospitalizada novamente por fadiga mental e má alimentação. Nem os lugares turísticos e interessantes do país eu conhecia, após mais de um ano morando em Portugal. Depois que compreendi que tudo daria certo, mesmo que eu levasse a vida com mais leveza e equilíbrio, me permiti fazer algumas novas amizades e me abri para novos relacionamentos.

Nas semanas de recesso e feriados, eu me programava a fazer curtas viagens e passeios com amigos que se comprometiam a me tornar uma "boa portuguesa". A verdade era que eu não tinha grandes ressalvas à adaptação ao país – o obstáculo sempre havia sido eu, e minha dificuldade de aceitar como tudo havia acontecido. Por muito tempo, eu que havia me sabotado e dedicado tempo demais aos meus receios e amarguras.

Qualquer Semelhança É Uma Mera Coincidência 2Onde histórias criam vida. Descubra agora