Sofia
Superação era muito mais fácil na teoria, do que na prática. Passei por algumas provações na minha vida, às quais precisei dedicar muito tempo, perseverança e sabedoria para superá-las, mas à nenhuma havia sido dedicado o dom do perdão. Eu diria que curar o coração, e ressignificar um sentimento ruim, era o mais difícil tipo de superação.
Minha consciência compreendia que era necessário dialogar e encarar problemas traumáticos da minha adolescência, mas se tratava de um contexto totalmente inesperado, posto que, em nenhuma das possibilidades criadas em minhas idealizações fantasiosas, cheguei a imaginar que, em algum dia, meu pai ou minha mãe me pediriam perdão. Já havia se passado tanto tempo e, portanto, era inútil alimentar esse tipo de esperança. Para falar a verdade, nunca alimentei. Nossos laços haviam sido rompidos de maneira muito brutal, não me permitindo acreditar em uma possível reaproximação.
Meu pai era extremamente dependente emocional da minha mãe, que, por sua vez, era bastante inflexível em sua forma de pensar e agir. Por essa razão, nunca criei expectativas de que minha relação com qualquer um dos dois poderia dar nem sequer um passo para o entendimento.
Seu Bernardo pedia uma segunda chance – uma reaproximação. Mas meu coração estava fechado para isso. As dores provocadas no passado se fincaram de um jeito irremediável. Pelo menos, era o que eu sentia.
Era difícil explicar o terror que se apoderava de mim, quando me imaginava passar por tudo aquilo de novo. A humilhação, a violência, a coação e a privação sofridas dentro do lar, sob a custódia de pessoas que deveriam me proteger, fizeram com que eu me tornasse alguém que lidava com os outros, e com o mundo, sempre de maneira defensiva.
Enfrentar atos de preconceito, não só sofridos por mim, como também por qualquer outra pessoa, provocava, na maioria das vezes, reações incontroláveis em meu psicológico e corpo. Eu sentia palpitações no peito e parecia que o ar me faltaria.
Não era só porque eu estava magoada demais. Havia sido criado um bloqueio, não só no meu coração, mas principalmente em minha mente.
Eu não sabia ser capaz de me sentar em frente ao meu pai, ouvi-lo dizer qualquer coisa e não sofrer nem um pouco por isso.
Havia sido traumático demais e eu não sabia se estaria preparada para lidar com esse meu passado. Em vista disso, passei os três dias seguintes me esquivando de Clara, que não me compreendia e não me dava uma trégua. Em todas as vezes que tivemos a oportunidade de conversar, ela insistia que eu deveria ouvir o que meu pai tinha a dizer. Mas não me convenceria com qualquer argumento, ainda mais por ser alguém sem moral para me cobrar qualquer coisa. Além de não ter nada a ver com minha vida pessoal, também não tinha abertura para se intrometer nela.
No entanto, eu não contava que outra pessoa poderia estar disposta a ter o mesmo tipo de postura e sentimento.
- Será que podemos conversar? – Laura surgiu na entrada do meu quarto.
- Claro.
- Escutei a conversa que teve com Clara há três dias atrás e sei que ela tem tentado te convencer a se encontrar com seu pai. Ela não vai descansar até conseguir. Clarinha é cabeça dura e orgulhosa, também é obstinada demais quando quer alguma coisa.
Limpei a garganta e encarei minha amiga. Eu sabia que só queria meu bem, então qualquer coisa que pudesse me falar, seria para me ajudar.
- Ela tem sido muito inconveniente. – Reclamei, de saco cheio das suas perturbações.
- Sinto muito, Sofia, mas dessa vez tenho que concordar com minha amiga. Ela tem razão quando diz que você tem que, ao menos, ouvir o que ele tem a dizer, mesmo que não esteja preparada para dar o que seu pai quer, agora. O perdão vem do coração, por isso não é uma obrigação. Não podemos agir de acordo com aquilo que não sentimos. Pode não ser o tempo certo para perdoar os erros do passado, mas esse momento só chegará através do diálogo e do entendimento. Você precisa dar a oportunidade para um primeiro passo.
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Qualquer Semelhança É Uma Mera Coincidência 2
RomanceSofia retorna para casa e ao convívio de suas antigas amigas. Mais de uma década depois, ela está preparada para encarar os dilemas que pensava terem sido superados, assim como enfrentar fantasmas responsáveis pelos seus traumas do passado. Focada e...