Clara
Com toda certeza, o que eu estava sentindo não estava sendo coerente com minha postura sempre indiferente. No entanto, mesmo que minha vida não tivesse nada a ver com as atitudes dos outros, meu orgulho estava seriamente ferido. Sofia havia me julgado por fazer exatamente o que estava fazendo: sexo sem compromisso – que nunca foi nem nunca seria errado. Tudo o que sempre fiz foi usufruir da minha liberdade sexual. Mesmo assim, fui criticada por me envolver sexualmente com mulheres sem oferecer um compromisso emocional, e justamente a pessoa que me julgava estava amando provar exatamente do mesmo – pelo menos, foi o que me pareceu quando sorriu toda besta, após aquela ruiva lamber quase toda a sua cara.
E que mal gosto. As duas nem combinavam.
Eu apostava muito sério que a noite havia sido muito meia boca, apesar de Sofia estar parecendo a própria deusa do sexo, vênus. Ela estava radiante, sexy e, aparentemente, bastante satisfeita – tanto, que nem se importou com minha presença.
Já era fim da manhã quando a mulher foi embora, porém, era inevitável não duvidar de que haviam dormido quase a noite inteira.
Laura e Hanna saíram para trabalhar, e preferi não ficar sozinha com minha ex-namorada. Na última vez, me expulsou com extrema grosseria e meu humor não estava nada bom para lidar com isso de novo. Recolhi as laranjas azedas, que não eram minhas, e as levei junto comigo, para terminar de fazer o suco em meu próprio apartamento.
Meu horário já estava mais do que atrasado e minha irascibilidade estava nas alturas, por isso decidi que não compareceria ao trabalho nesse dia e enviei uma mensagem para meu novo chefe, inventando qualquer desculpa. Seria menos desgastante trabalhar de casa.
Após ter minha falta justificada, joguei-me no tapete – não tinha sofá na minha sala, apenas dois pufes – e cobri os olhos com o braço, com o intuito de deter a pequena dorzinha de cabeça. Havia um forte sabor amargo no fundo do meu âmago, mas a teimosia de minha consciência não me permitia interpretar corretamente o que me afligia.
Enquanto me esforçava para manter a mente em equilíbrio, Saturno subiu sobre minha barriga à procura de carinho e companhia, mas foi sobre meu coração que se aconchegou para conseguir o que queria. Fiz um chamego acalentador em seu pelo – uma terapia para minha mente inquieta – e, dessa maneira, suprimi um pouco a minha angústia.
Em apenas alguns minutos, a pequenina e quentinha bola de pelo roncava baixinho, ainda aninhada em meus braços. A tranquilidade com a qual sua respiração subia e descia me transmitia extraordinariamente uma paz transcendental, que foi capaz de me fazer esquecer momentaneamente de todos os meus dilemas.
Diante de seu miraculoso efeito sobre mim, tiramos juntos um cochilo gostoso. Porém, nosso sossego não durou muito mais que poucos minutos. Toda a nossa tranquilidade foi interrompida pelo som estridente da campainha.
Sonolenta, abri a porta sem verificar quem era, mas a fechei no mesmo instante que me deparei com o sorriso amarelo de Samantha.
- Clara, deixa de ser assim! – Insistiu, do lado de fora. – Vamos conversar? Vai ser rápido, ainda preciso trabalhar.
Abri novamente o retangular e grande pedaço de madeira, apenas para que pudesse vê-la enquanto a ouvisse falar, mas não a deixaria entrar. O que tivesse a me dizer, teria que ser falado da porta mesmo. Havíamos discutido e eu ainda estava muito magoada com Samantha. Precisava de um tempo longe dela para conseguir digerir o que havia acontecido e, assim, poder raciocinar direito.
- Posso entrar? – Enviou-me seu melhor olhar de inocente.
Como eu era uma bunda mole, – e incoerente comigo mesma – acabei permitindo sua entrada sem mais pestanejar. Mas teria que ser breve.
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Qualquer Semelhança É Uma Mera Coincidência 2
RomanceSofia retorna para casa e ao convívio de suas antigas amigas. Mais de uma década depois, ela está preparada para encarar os dilemas que pensava terem sido superados, assim como enfrentar fantasmas responsáveis pelos seus traumas do passado. Focada e...