1. Lya Malta

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-- Vamos Bia, acorde! Eu não posso me atrasar hoje! Tenho uma aula importante no primeiro horário!

Já estávamos há cinco minutos atrasadas. Droga! Eu odeio atrasos. Terei uma conversa séria com Beatriz. Todos os dias é uma dificuldade imensa fazer com que minha irmã mais nova acorde.

A nossa vida não é fácil. Há dois anos nossos pais estavam voltando de um jantar de comemoração do aniversário de casamento deles e um grupo de jovens que saíam bêbados de uma festa, bateram no carro dos nossos pais e eles capotaram. Minha irmã tinha três anos na época e estava no banco de trás e foi a única sobrevivente, mas está condenada a viver em uma cadeira de rodas.

Mas e os jovens bêbados? Filhos de pessoas influentes na cidade, só doaram algumas cestas básicas á instituições de caridade e estão soltos por aí enchendo a cara com o dinheiro dos pais. Tudo que eu mais abomino são esses jovens inconsequentes. Bando de lixos!

Eu sempre fui uma garota responsável, nunca dei trabalho aos meus pais. Nunca fui de ter muitos amigos e participar de festas. Sempre gostei de ler e estudar. Meus pais não eram ricos e sempre me incentivaram a estudar e ter uma profissão. Assim que terminei o ensino médio, eu ganhei uma bolsa de estudos na melhor faculdade de Direito do país. Meu sonho é me tornar uma grande juíza e poder ajudar as pessoas injustiçadas.

Mesmo com a morte de meus pais, eu não desisti desse sonho. Somos somente eu e minha irmã. Não há mais ninguém em nossas vidas. Eu me preocupo muito com ela e sonho em lhe dar uma vida melhor. É por ela que eu me levanto todas as manhãs e vou á luta.

Vou para a faculdade de manhã e trabalho a tarde para poder pagar as contas e manter a casa. Minha irmã precisa de remédios e fisioterapia e tudo isso custa muito caro. Vivemos com poucos recursos financeiros.

Eu trabalho como garçonete na lanchonete mais badalada da cidade. A Cyber Café é o ponto de encontro de todos os jovens da cidade. A maioria dos estudantes da minha faculdade frequentam o lugar. Filhinhos de papai que só sabem encher a cara e fazer merda. Ah, como eu os odeio!

-- Já chega Bia!- puxo sua coberta- O que está acontecendo com você? Todo dia você faz hora para se levantar!

-- Eu não quero ir para a escola Lya! Eu sou a única diferente lá! Todos só ficam me olhando e cochichando. Me deixa ficar em casa?- pede com cara de choro.

-- Eu sinto muito por isso Bia, mas você precisa ser forte. Precisa aprender a enfrentar as dificuldades. A vida não é fácil. Você é uma garota mais do que especial. Você tem limitações mas isso não faz você inferior a ninguém. Deixa as pessoas te olharem, não se importe com isso. Vem, eu vou te ajudar a se arrumar.- tento ser firme.

Me sinto muito mal pela Bia. Além de perder nossos pais, talvez ela nunca mais volte a andar. Eu preciso ser firme por ela. Eu sou a única pessoa que ela tem, então preciso ser forte por mim e por ela.

Depois de nos arrumarmos e tomarmos o desjejum, vamos para o ponto pegar o ônibus. Todos os dias é a mesma rotina. Nós pegamos o ônibus, eu deixo a Bia na escola e depois vou para a faculdade. A escola de Beatriz é de tempo integral então ela fica de sete da manhã até às cinco horas da tarde. Eu trabalho das treze às vinte e uma horas. No meu horário de café eu vou correndo buscar Bia na escola e a deixo com uma vizinha nossa que toma conta dela até que eu saia do trabalho. Não é fácil, mas eu nunca reclamo, afinal reclamar não leva a nada.

Na porta da escola, eu me agacho para poder conversar com a Bia. Ver ela tristonha quebra o meu coração.

-- Bia estou indo. Fique bem. Nunca se importe com a opinião dos outros. O que importa é o que você tem aqui dentro.- aponto para o seu coração.- Eu amo você, nunca se esqueça disso! Você é maravilhosa!

-- Também amo você Lya.- ela me abraça apertado.

Olho para o relógio e vejo que estou atrasada. A primeira aula do dia é do professor Antunes de Direito Tributário. Um verdadeiro carrasco. Os alunos o odiavam, especialmente eu. As vezes eu sinto que o professor me olhava de um modo diferente.

Eu entro correndo no prédio, esbarro em algumas pessoas que me xingam mas eu nem me importo. Chego ofegante na porta da sala e me reprovo ao ver que o professor já havia começado a aula. Odeio me atrasar.

-- Com licença professor, posso entrar?

-- Está atrasada senhorita Malta. Eu não tolero atrasos em minha aula.- ele me olha com desdém.

-- Me desculpe senhor. Eu tive um imprevisto. Prometo que não irá se repetir.

-- Ô professor, deixa ela entrar. Ele deve pegar uns quatro ônibus para poder chegar aqui. - zomba Samuel, o aluno mais aparecido e idiota da turma.

--  Quieto senhor Salles! Vou deixar passar dessa vez por que você é a melhor aluna do curso. Mas que isso não se repita mocinha.

-- Obrigada senhor.- fico aliviada afinal não podia perder essa aula.

Tirando o pequeno incidente da manhã, o restante das aulas foram mais tranquilas. Me dirijo para o pátio no intervalo. Me sento sozinha no refeitório e como uma maçã que trouxe de casa. Não posso me dar ao luxo de pagar pelas caríssimas refeições da faculdade. Só o valor de um lanche simples que eles vendem já pagava meu almoço e o de Bia. Esta é a faculdade mais cara do país e agradeço todos os dias por ter conseguido essa bolsa. Eu jamais conseguiria pagar uma mensalidade daqui.

De repente sinto alguém se sentar ao seu lado. Me viro para ver quem era.

-- Bom dia linda. Como está seu dia hoje?- pergunta o recém chegado e me dá um beijo na bochecha.

-- Bom dia Thomas.- sorrio para ele.- Estou bem. Não te vi nas primeiras aulas. Aconteceu algo?

-- Meu pai me obrigou a assistir uma de suas audiências e precisei faltar. Ele adora se exibir.- diz revirando os olhos.

Thomas Alvarez é filho de um dos maiores e mais exibidos advogados da cidade. Thomas é um pouco mais alto do que eu, é bem branquinho e tem os cabelos mais negros que já vi. Ele estuda na mesma classe que eu e é o primeiro e único amigo que eu fiz neste um ano e meio de faculdade. Nunca fiz questão de conversar com as outras pessoas, elas sempre me esnobaram.

Apesar de ser tão rico quanto os outros alunos, Thomas sempre foi mais humilde. Nunca se importou com dinheiro ou classe social e foi isso que me encantou nele. Ele sempre tratou a todos igualmente.

No início, eu desconfiei de suas intenções mas logo o rapaz se mostrou ser um bom amigo. Sempre que podemos nós estamos juntos. Passamos o intervalo conversando sobre assuntos aleatórios quando  alguém se aproximou de nós.

-- Ei Thomas, será que você pode me ajudar com um problema? - Gabriel Miller, o aluno mais popular, se aproxima da nossa mesa e pergunta ao amigo. Ele nem sequer notou a minha presença ali.

-- Claro Gabriel. Depois nós conversamos Lya. - ele me dá outro beijo na bochecha e sai atrás do amigo.

Thomas é tão legal, não entendo como ele pode ser amigo de gente como Gabriel Miller. Na minha opinião Gabriel e sua turma são a escória da faculdade. São aquele típico grupo popular que só sabe gastar o dinheiro dos pais e zombar com a cara de todos.

Olho de longe os dois amigos conversarem. As garotas passam e suspiram ao olhar para o Gabriel. Ele é alto, tem um corpo definido pelas práticas de esportes, seus olhos são de um azul incrível e seus cabelos castanho claro. Até que ele é bonito mas, nada disso compensa a podridão que ele tem dentro de si.

A Redenção de GabrielOnde histórias criam vida. Descubra agora