Capítulo 42

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Liliane

Vê-la assim, dormindo de forma calma, serena, depois de chorar como uma criança desamparada chega a ser um alento para meu coração.

São quase meia-noite e, finalmente, depois de ter conseguido fazê-la tomar um banho e trocar a bandana do pé machucado, além de tomar um copo de leite morno, fui capaz de trazê-la para a cama, onde ela adormeceu, talvez pelo cansaço acumulado ou, provavelmente, devido a dor que sentia a incapacidade de continuar a chorar.

Confesso que nunca imaginei ver Carla dessa forma alguma vez em minha vida. Provavelmente esse é o dia mais revelador para mim sobre quem ela realmente é, sobre a personalidade escondida atrás da imagem de mulher de negócios, controlada e autossuficiente que ela costumava mostrar para todos a sua volta.

Creio que, se fosse em outros momentos de nossas vidas, eu me sentiria exultante em ser a pessoa a conhecer seu lado verdadeiro, contudo, não consigo me sentir bem em vê-la dessa forma. Me fere saber que ela está sofrendo.

Posso ser jovem, mas não sou tão boba quanto o mundo pode achar que eu seja. Desde a primeira vez que vi aquela mulher na entrada do prédio, que notei como Carla ficou ao seu lado e também da necessidade que ela tinha em, mesmo veladamente, me atacar, soube que havia algo mais entre elas. Obviamente que não imaginava que fosse algo tão... profundo? Nem sei se essa é a palavra correta a se usar neste caso, mas acho que cabe aqui.

Poderia me sentir decepcionada em saber que Carla é uma mulher infiel, que trai seu noivo com uma mulher. "Por que manter um relacionamento em que não se pode ter, no mínimo, lealdade e respeito entre os pares? Ainda mais um noivado?!". Mas quem eu seria fazendo esses questionamentos ou julgando-a dessa forma sabendo que, se tivesse a oportunidade, não abriria mão da chance de ser a mulher em seu braços, mesmo que por uma noite? Só seria mais uma hipócrita neste mundo e acho que não precisamos de mais pessoas assim, não é mesmo?!

A verdade é que, desde que vi aquela mulher, também senti que ela, de alguma forma, poderia ferir Carla. Por isso quis vir até seu apartamento para deixá-la, por isso não tive coragem de ir para casa da minha tia, deixando-as sozinhas. Poderia ter sido uma idiota tola e nada ter acontecido além do que minha imaginação cisma de jogar na minha cara toda vez que lembro das duas juntas na sala de estar, mas... aconteceu.

Ver Núbia indo embora com um olhar perdido e, ao chegar aqui, ver Carla daquela forma destruída, machucada, tive certeza que fiz o certo em teimar em ficar. Aquilo me doeu, confesso.

Agora você está aqui, dormindo tão serenamente. Cabelos soltos, em desalinho, respiração tranquila. Nem mesmo essa brandura toda pode camuflar que você está sofrendo. O rosto levemente avermelhado, os olhos inchados de tanto chorar, o semblante de dor e decepção.

– O que ela fez com você, Carla?! – Sussurro agachada ao seu lado na cama, como uma guarda-costas que vela por sua proteção.

O que não daria para ser eu a mulher a receber sua declaração. Com certeza cuidaria de sua felicidade como se tivesse recebido uma caixinha frágil, com o melhor presente do mundo.

"Mas não sou eu a escolhida. É ela!" penso, meio que desolada ao entender que não teria outro lugar que não sua amizade.

Sinceramente? Não consigo pensar em deixá-la sozinha quando e se um dia isso acabar, entretanto, sei que precisarei me afastar um dia, pois não me fará bem permanecer tão perto assim do motivo que faz meu coração palpitar descompassadamente.

– Ficarei ao seu lado o quanto você precisar. – Falo em um tom baixo, quase inaudível, notando como ela, ainda em sono profundo, sorri de forma infantil e doce. "Mas só enquanto eu consegui resistir a tristeza de nunca poder te ter comigo" completo em pensamento, sabendo que será melhor assim.

Refém do Desejo (Romance Lésbico)Onde histórias criam vida. Descubra agora