Capítulo 28

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Juroleguinuela, eu dedico a você meu bem, mas a tia anti-tecnológica ainda não aprendeu a marcar!!!


Fracasso.

O pequeno garotinho de cabelos enroladinhos e claros corria pela sala com um grande sorriso no rosto. Era raro quando aquela pequena criança chorava ou sentia-se mal com alguma coisa. Mesmo não tendo um pai, diferente das outras crianças da idade, não se importava, só queria ser feliz. Para ele, sua mãe era algo muito melhor que qualquer pai. Às vezes, seu tio lhe dizia que seu pai o havia abandonado, mas nem por isso sentia-se rejeitado ou com ódio do homem que fizera isso. Tudo o que queria era brincar, se divertir, conhecer amiguinhos novos, rir com sua mãe e ouvir histórias antes de dormir. O ódio, de acordo com sua mãe, não dava em nada e ela sempre disse que seu pai era um homem bom. Ele só não sabia o que estava acontecendo, coisas de adultos que ele não precisava se preocupar no momento. Com um sorriso no rosto e não notando a tristeza da mãe ao falar sobre esse assunto, ele beijava-lhe o rosto e ia embora em seguida. Então, para que se preocupar com outras coisas além de correr e brincar para ser feliz com os amigos?
O garotinho parou de correr e soltou uma gargalhada ao ver a mãe parar e jogar-se no sofá, completamente cansada.
— Mas já se cansou, mamãe? — ele perguntou enquanto pulava no colo da mulher, fazendo-a abrir um sorriso calmo.
— Mamãe não está mais em condição de correr desse jeito! — ela exclamou enquanto prendia os cabelos longos em um coque frouxo. — E o senhor precisa de um banho!
— Mas ainda está cedo! — o menino resmungou. — Quero ir brincar.
— Está cedo, sim, mas está frio também, querido. Chega de brincadeiras — ela sorriu novamente e apertou pequeno. Céus! Como ela queria poder apertá-lo junto com o outro filho que fora obrigada a deixar para trás... — Vá para o banho, Ernesto. Amanhã será um novo dia e poderá brincar tudo de novo, meu amor.
— Promete? — ele sorriu mostrando os pequenos dentinhos e levemente tortos.
— Prometo! — a mulher respondeu abrindo mais um sorriso para o garoto que logo saiu correndo em direção ao banheiro, como se fosse um super-herói.
A mulher deixou seu corpo descansar no sofá de um jeito mais a vontade e pensou nos últimos anos de sua vida. Poderia estar casada e com dois filhos, mas, graças a algum filho da puta, ela estava ali, sozinha, cuidando do filho e morando junto com seu irmão mais velho. Ela poderia estar com seus dois filhinhos nos braços, brincando, sorrindo e contando histórias à noite. Mas... Já que nem tudo é um conto de fadas, ela estava ali naquela vidinha de merda. Não que ela não gostasse de tudo o que vivia, pelo contrário. Só achava que poderia ser melhor. Aliás, seu pequeno William precisava de uma mãe ao seu lado e seu pequeno Ernesto precisava de um pai. Mesmo ambas as crianças fingindo não se importar por faltar um dos pais, se importavam. Era estranho para eles, com certeza, ver as outras crianças no parque acompanhado de um pai e uma mãe. Mesmo que algum ali não fosse de verdade, só de ser uma figura paterna ou materna fazia a criança mais feliz. Era lei. Crianças gostam de ter um pai e uma mãe, mesmo quando não são de verdade. O que importa é o sentimento, o amor. Mas, infelizmente, aqueles dois menininhos não teriam isso tudo.
Kate levantou-se do sofá ao ouvir o barulho de carro na parte da frente da casa e seguiu para o quarto do filho. Não queria encarar o irmão. Não queria encarar os olhos dele e notar que toda a desconfiança que sentia se confirmava ao fitá-los. Sabia que Robert, seu irmão, estava envolvido na sacanagem que fodera sua vida de uma vez por todas. E isso lhe dava ódio, muito ódio. Por mais que passasse para o filho que o ódio não levava a nada, sentia ódio do irmão. Ele não tinha o direito de acabar com sua vida daquela forma. Ele sabia disso! Havia prometido que a deixaria fazer as próprias escolhas e, quando ela faz a melhor escolha da sua vida, ele se mete. Acaba com tudo, deixando-a ali, naquele inferno, sem o marido que tanto amava, sem o filho mais velho que amava tanto quanto o pequeno Ernesto. Céus, como doía! Qualquer mãe em sã consciência entenderia sua dor. Queria poder ter os dois filhos e o (ex) marido nos braços, poder sair aos domingos e comer pipoca nos parques, levar as crianças para observar o rio Tâmisa que agora era tão bonito. Queria aproveitar a vida. Mas aproveitar com a família reunida, e isso não incluía Robert. Mas ele não precisava ser convidado para se intrometer em sua vida. Fora isso que ele fizera, mais uma vez. Só que, agora, indo longe demais e fazendo-a separar-se de seu filho, que tinha apenas um aninho na época, mais velho enquanto carregava o mais novo na barriga. John ficaria tão feliz em saber que seria pai de novo. Mas Robert Castellamare não dera essa chance a ele. Nem a ela, sua própria irmã, ele dera a chance de contar para John e vê-lo sorrir e gritar da forma que fizera quando soube da gravidez de William. Para que a felicidade deles quando se tem tanto dinheiro em jogo? De acordo com Castellamare, Kate e John não podiam nem iriam ficar juntos. Coisas de trabalho. Coisas que envolviam italianos esquisitos que Kate nem sequer sabia da existência nem por que diabos tinha a ver com o romance deles. Tudo bem, se conheceram na Itália alguns anos atrás, mas... Nada que pudesse fazê-los desistir de tudo. Não era algo daquela forma tão terrível que Castellamare costumava descrever.
Kate soltou um suspiro pesado e deixou seu corpo cair sobre a cama do filho. Queria ir embora, queria gritar e implorar o perdão de John, contar o que aconteceu e dizer que Ernesto era seu filho. Mas sempre que tentava, Castellamare dizia que se ela tentasse novamente, John iria morrer. Se isso acontecesse, o que seria do pequeno William? O que seria dela? De que valeria a vida sem John Bonner? Talvez, John estivesse a odiando com todas as forças, mas se ele soubesse metade do que ela estava sentindo por fazê-lo passar por tudo aquilo...
— Kate! — A voz de Castellamare berrou, fazendo-a sentar-se rapidamente na cama e secar as lágrimas que deixara cair.
— O que é?! — ela gritou de volta, enquanto levantava de uma vez e caminhava sem pressa até a porta do quarto.
— Foi atrás do John? — ele perguntou, direto.
— Para quê? — ela revirou os olhos. — Para você tentar matá-lo mesmo sabendo que meu filho precisa de cuidados?
— Seu filho está aqui — ele disse entre os dentes. — William não é nada seu. Não mais. Ele acha que está morta, está crescendo ouvindo essa versão.
— Por que isso tudo, Robert? — ela perguntou cansada. — Você sabe que não tenho tanto tempo assim. Posso pelo menos morrer sabendo o que ronda meu filho?
— Você sabe o que está acontecendo, só não quer enxergar. — Castellamare encarou-a nos olhos. — Tudo o que faço é para o seu bem.
— Meu bem? — ela riu e revirou os olhos novamente. — Vá se foder! — elevou a voz. — Meu bem é o caralho! — ela gritou novamente, pouco se importando com os palavrões. Ernesto ouviria os gritos e iria para outro cômodo qualquer. — Se fosse para o meu bem, você deixaria meu casamento em paz, eu estaria com meus dois filhos e o John antes dessa morte maldita que não chega.
— John tem parentesco com certas pessoas que...
— Você não pode contar? — ela o interrompeu e estreitou os olhos. — Deixe-me adivinhar por quê — Ela levantou as mãos, fazendo um sinal para que Castellamare se calasse. — Você não pode me contar porque acha que John tem parentesco com algum inimigo mafioso seu? — ela riu. — John tem parentes italianos, sim, tem. Mas nenhum é mafioso ou mau caráter como você! — Ela encarou o irmão com firmeza. — O John, que é o que realmente importa, pelo menos, não é dessas coisas. Ele é um homem honesto, um homem da lei! Um policial. Eu não poderia estar mais segura, Robert.
— Segura? — Robert riu. — Com aquele Bonner maldito? — ele murmurou entre os dentes. — Jamais. Você é minha irmã. Não vou deixá-la com aquele maldito.
— Estou morrendo — ela disse firme. — Acredite, não vou atrás de John pelos meus filhos. Meus meninos não merecem passar por uma coisa dessas por sua culpa. Mas nem pense em transformar algum dos meus filhos no monstro que você é, Robert. Nem pense — Ela aproximou-se. — Infelizmente, mamãe não irá durar para sempre também. Dói ver que estou indo antes dela e mal poderei educar o filho que me restou, mas, acredite, Robert, se você transformá-lo em um monstro quando mamãe também se for, eu volto nem que seja do inferno para me vingar de você e acabar com você — Ela engoliu seco, em puro nervosismo. — Meu filho não merece ficar com você e isso só vai acontecer porque você quer que aconteça. Não é porque Deus quer, ou porque eu quero. É porque você é um filho da puta egoísta que só pensa em si mesmo — Ela piscou algumas vezes para segurar as lágrimas e passou por Robert, sem se importar se seu ombro havia esbarrado no dele ou não.
Ainda naquele corredor, Ernesto sentia seu coração apertado e acelerado ao mesmo tempo. Como assim morrendo? Sua mãe, sua protetora estava... Morrendo? Por que ela chamara o tio Castellamare de monstro? Por que ela estava falando de um outro menino que ele não conhecia? O que estava acontecendo ali que ele não podia saber?
O pequeno menino secou as finas lágrimas que rolaram pelo seu rosto e se levantou do chão, indo devagar até o quarto para se vestir. Era pequeno, mas já conseguia fazer aquilo sozinho. Sua mãe o chamava de homenzinho quando o via fazendo aquilo, ele dava uma careta para ela e ria em seguida. Quando ela usou o termo "morrendo", queria dizer que tudo isso iria acabar?
Ernesto acabou de vestir o pijama azul que mais gostava e sentou-se na cama, esperando pela mãe. Ela sempre ia para o quarto do pequeno quando dava uma certa hora, ele tinha a paciência de esperar. Normalmente, ela levava o jantar para ele e depois que ele escovava os dentes, ela lia histórias até ele pegar no sono. Será que aquilo também iria acabar? Ele sentiria falta da mãe se ela realmente morresse.
Ernesto não esperou por muito tempo. Logo, Kate, sua mãe, adentrou o quarto com um grande sorriso no rosto. O menino não conseguiu deixar de retribuir e se ajeitou na cama, sentando com a postura que ela ensinara.
— Trouxe o jantar — Ela se sentou na ponta da cama enquanto o menino terminava de se preparar.
— Mamãe, posso te fazer uma pergunta? — ele perguntou enquanto mastigava a comida que a mãe dava em sua boca.
— Pode sim, meu amor, claro que pode! — ela sorriu e levou o garfo até a boca do pequeno mais uma vez.
Após alguns segundos, Ernesto encheu os pulmões de ar e encarou a mãe nos olhos.
— Por que disse ao tio Castellamare que estava morrendo? — ele perguntou de uma vez, fazendo a mulher congelar e engolir a seco. — Por que, mamãe? Você vai morrer? Vai me deixar? Eu não posso ir com você?
— O que eu falei sobre ouvir conversas de adulto? — Kate perguntou baixo, deixando o prato de comida de lado.
O garotinho fitou a cama, em silêncio.
— Desculpe. Mas não deu para não ouvir — ele encarou a mãe mais uma vez e se aproximou da mulher, segurando-a pelo rosto. — O que aconteceu, mamãe? — ele perguntou de forma séria, porém comovente, fazendo os olhos de Kate encherem-se de lágrimas.
— Ah, Ernesto... — ela suspirou, puxando o pequeno para um abraço apertado. — Daqui a um tempo a mamãe vai embora para sempre. Me desculpe por isso, meu amor.
— Vai ficar tudo bem, mamãe — ela sorriu. — Não é assim que vocês falam?
— Dessa vez não vai, meu anjo. Você precisa ser forte quando a mamãe se for, tudo bem? — Ela o encarou e deixou as lágrimas caírem aos poucos. — Promete para mamãe que você vai se cuidar e vai obedecer ao seu tio e à sua avó, mas sem deixar de ser o que você realmente é?
— Prometo o que você quiser — ele sorriu e se sentou no colo da mulher, virando-se para ela. — É só você prometer que nunca mais vai chorar.
Alguns anos se passaram desde aquele dia. Ernesto já tinha seus treze anos completos e ia à escola todos os dias, estudava, era um bom aluno. Tinha amigos, algumas namoradinhas, coisas normais. Mas sua mãe fazia falta, sua avó também. Só quem lhe restara fora Robert Castellamare.Ernesto não se orgulhava daquilo, mas o que faria? Só tinha o tio e mais ninguém. Por mais que não fosse a vontade de sua mãe, ele era obrigado a obedecer Robert, era obrigado a fazer exatamente tudo o que ele fazia. Mesmo novo, aos treze anos, Ernesto já fazia coisa de gente grande. Perdera o resto da infância estudando para entrar em uma escola boa e um ano adiantado. Castellamare nunca explicara o porquê, exatamente. Sempre alegava que era o melhor para ele, que ele deveria estudar cada vez mais e seguir seus sonhos. Foi aí que ele conheceu William. Seu melhor amigo desde então. Era uma amizade inocente até Castellamare se meter entre os dois e começar a mandar Ernesto fazer certas coisas. Mas ele, inocentemente, fazia. Coisas pequenas como saber mais sobre a vida de William sem contar a sua, arrancar deles certos — tipos — segredos e tudo o mais. William nunca se importou e respondia normalmente. Confiava em Ernesto como nunca confiara em ninguém. Eram amigos. Não, mais que isso! Para ele, eram irmãos. Cresceram moralmente juntos, pegaram as primeiras garotas mais velhas juntos, fumaram o primeiro cigarro juntos, beberam a primeira garrafa de cerveja juntos. Mesmo sabendo que o que fazia era errado, Ernesto aceitava todas aquelas coisas porque, de acordo com Castellamare, não podia se afastar de William e precisava conseguir mais a confiança dele. Para Ernesto, obviamente, não era sacrifício nenhum manter aquela amizade. A amizade deles era... Natural. Fácil. Feliz. Normal.
Estavam sentados no pátio da escola. Agora, aos dezesseis. William, com seu típico cabelo enrolado e pele extremamente branca, com o rosto levemente corado pelo — fraco — sol que fazia naquele início de tarde. Ernesto, num estilo não muito diferente, tinha os cabelos bagunçados — porém mais claros que os de William — e tão enrolados quanto os do outro rapaz. Muitas vezes já ouviram "Céus! Vocês são irmãos!" das pessoas, sempre riam e explicavam que não eram, mas se consideravam.
William se virou para Ernesto sorrindo e disse:
— Tem uma festa para irmos hoje, o que acha de ir lá para casa?
— Temos prova semana que vem, que tal estudarmos? — Ernesto respondeu sorrindo de canto e William revirou os olhos.
— Hoje é sexta, Ernesto — o rapaz murmurou enquanto jogava a cabeça para trás. Odiava quando Ernesto dava seus ataques nerd, ele sempre cedia e acabava indo estudar também.
— Vamos começar no domingo. Lembra que você estava com dúvida nas coisas bobas de Biologia? — o mais novo murmurou e o amigo riu. Era verdade.
— Esqueci desse pequeno fato. Começamos no domingo, então — William disse firme, enquanto sorria para alguma menina que passava por eles. Ernesto não era muito de sair pegando todas, pelo menos não em época de prova. Mas eram igualmente disputados pelas garotas, era até divertido. Não que gostassem da popularidade que tinham, porque era irritante. Mas era divertido em certos momentos.
— Seu pai vai me buscar ou é melhor eu ir para sua casa? — Ernesto perguntou e William deu de ombros.
— Tanto faz. Acho que tenho que ir encontrá-lo no prédio hoje. Vejo com ele lá.
— Faça isso e ligue — Ernesto piscou um dos olhos. — Agora vou para a aula.
— Boa sorte, tenho tempo vago — William disse sorrindo e jogando-se na grama novamente.
— Obrigado, vou precisar. Tenho Química — Ernesto bufou e jogou a mochila sobre o ombro. — Não esquece de falar com seu pai sobre o estágio também.
— Não vou esquecer — William fez o típico "joinha" na mão e Ernesto acenou para o amigo, indo para a aula em seguida.
Ernesto não fora direto para a sala de química. Fora para o banheiro e trancou-se em uma das cabines, sentindo-se um idiota, um animal, um traidor. No dia anterior, tivera uma briga com Castellamare e o fizera contar tudo o que estava acontecendo desde a morte de sua mãe. E, obviamente, não gostara nem um pouco do que descobrira. Era melhor ter continuado sem saber. Seria... Melhor. Menos agonizante, quem sabe?
William era seu irmão de verdade. Mas o pai deles preferiu ficar só com o mais velho, largando sua mãe naquele maldito inferno que era a casa de Castellamare. Bem, Ernesto não sabia ao certo o que pensar, nem sabia se isso realmente havia acontecido, tinha vagas lembranças de sua mãe dizendo que seu pai era um homem maravilhoso, mas Castellamare insistia no contrário. Ernesto não sabia nem entendia por quê. Mas... Estava confuso demais para começar a pensar nesse tipo de coisa e decidir em que lado jogar. Gostava de William. Eram bons amigos. Seria ótimo contar a ele que eram irmãos e provar isso logo em seguida, William também ficaria feliz!
Mais alguns anos se passaram e Ernesto continuava escondendo aquilo. Guardava o ódio dentro de si. Aprendera a odiar todas aquelas pessoas, inclusive William. Por mais que ele não quisesse, estava criando ódio pelo melhor amigo. Por culpa de Castellamare, sim. Tudo culpa daquele maldito velho! Ele podia ter uma família. Ou pelo menos parte dela, já que sua mãe ficara doente. Era revoltante. O que mais revoltava era John fingir que não sabia que tinha mais um filho e William não fazer nem ideia daquilo. Bem, Ernesto não tinha certeza se tudo era fingimento, mas Castellamare afirmava que sim. Com o tempo, Ernesto fora aprendendo a acreditar em Castellamare, nas pequenas coisas, apenas. Não queria, mas as coisas que ele dizia faziam sentido.
O tempo fora passando. O ódio de Ernesto apenas cresceu. Bem, o resultado todo mundo sabe: ele se tornou tudo aquilo que sua mãe mais temia. Com tanto ódio dentro de si, tantas mágoas e medos, se tornou o mesmo monstro que Castellamare. Talvez pior. Vingança era tudo o que ele pensava e queria. Por influência do maldito velho Robert Castellamare.
Ah, se Kate pudesse voltar para esse mundo e fazer de seu filho uma pessoa melhor... Ela o faria com o maior carinho, dando-lhe todo o amor de sempre e contando-lhe toda a verdade.
Ernesto deixou as lembranças de lado e abriu os olhos de uma vez, sentindo a água bater contra seu corpo — já com a pele avermelhada — com força novamente. Por quanto tempo ele ficou desligado? Odiava essas crises. Normalmente, saía do banho com dor de cabeça e completamente arrependido. Às vezes, arrependia-se a ponto de pensar em desistir e contar tudo a William, mesmo sabendo que a reação dele não seria boa. Com toda certeza do mundo, eles cairiam na porrada e tentariam se matar até a ficha cair. No final, ririam e se abraçariam em meio a gritos e lágrimas de emoção. Mas, claro, nem tudo é colorido e feliz desse jeito. Se Ernesto desse um passo para fora de casa com esse pensamento, morreria. Castellamare era capaz de mandar matá-lo se ele desistisse de tudo. Entre morrer e continuar naquilo para poder viver mais, Ernesto preferia não desistir e continuar. Ainda sentia aquele ódio desgraçado correr por suas veias. Não tinha culpa, oras! Castellamare o tornara aquilo tudo. Infelizmente, ele não conseguia parar de ser assim e o pensamento sobre desistir e contar tudo a William sumia após dois segundos junto com o arrependimento.
Ernesto Paglia não desistia nem se arrependia. Aquela era sua máscara, aquela era sua verdade. Ele era um monstro e, assim como Castellamare, não tinha medo de assumir. Não era como William, que tentava se esconder. Por mais estranho que isso soasse, Crowley não estava completamente errado quando entregou tudo aquilo à Fátima e Ernesto sabia. Por isso, não mexeu um dedinho sequer para ajudar William como Emma fizera ao ficar informada sobre o que estava acontecendo. William seria investigado, ótimo. Antes William do que o próprio Ernesto.
Após se vestir, Ernesto desceu as escadas da casa rapidamente e deu de cara com Lucy e Castellamare.
— O que houve com você, Lucy? — ele perguntou debochadamente e a mulher respirou fundo, tentando ignorá-lo. — Foi baleada? Oras, está aprendendo com a Fátima como se foder no meio do trabalho?
— Cale a maldita boca, Ernesto — ela murmurou enquanto Castellamare voltava a mexer no braço dela.
Ernesto deu uma risada fraca e fez um sinal para Castellamare sair. O velho, com um sorriso debochado no canto dos lábios, levantou-se e saiu.
— Não me mande calar a boca quando a idiota é você — Ernesto deu de ombros e puxou Lucy para mais perto dele, fazendo-a soltar um gemido de dor.
— Eu estou baleada — ela murmurou com os olhos marejados. — Eu realmente não sabia onde estava com a cabeça ao topar a invadir aquele maldito prédio com vocês. Eu sou uma mulher, porra! Eu quase perdi para o Bonner! Você tem noção disso? — ela perguntou alto, ignorando se Castellamare iria ouvir ou não. — E o filho da puta do Jack? Ele é um animal, não sabe trabalhar, Ernesto!
— Pode parar de reclamar por um minuto? Será que você consegue? Só até eu dar um jeito nesse seu machucado, por favor — Ernesto revirou os olhos e voltou a fazer o que Castellamare fazia antes: o curativo.
— Por que você está assim? — Lucy perguntou baixo tentando ignorar a dor que sentia no braço – e a do coração também, ver Ernesto naquele estado não era fácil para ela.
— Assim como? — ele perguntou, encarando-a nos olhos por uns segundos.
— Tão idiota — ela respondeu enquanto encolhia levemente os ombros e desviava o olhar.
— Eu sempre fui um idiota — ele riu baixo e voltou a atenção para o braço baleado de Lucy.
— Ernesto... — ela chamou e puxou o braço para trás, enquanto com a mão livre puxava o rosto de Ernesto em sua direção — O que aconteceu?
— Nada, eu já disse — ele respondeu e tentou puxar o braço dela de volta, mas Lucy fora mais rápida e afastou o braço.
— Você está arrependido, não é? — ela perguntou baixo, enquanto encarava os olhos dele. — Não digo pelo William. Mas pelo John. Você quer vingar tudo o que aconteceu, tudo bem. Mas não queria ter visto seu...
— Não termine a frase — ele a cortou calmamente. — Não me arrependo de nada do que fiz. Então, por favor, pare com isso.
— Por que você...
— Eu já mandei parar! — Ernesto a cortou com um grito, fazendo-a estremecer levemente e engolir a seco. — Esquece tudo o que você sabe e procura um hospital, cansei de você e suas perguntas idiotas!
— Então é assim que você trata quem diz que ama? — ela perguntou baixo, sentindo as lágrimas brotarem em seus olhos. — É assim que você quer que eu continue do seu lado? Agindo como o filho da puta do Crowley que deve estar queimando no quinto dos infernos agora?
— Me compare com o Crowley de novo e você vai queimar junto com ele. — Ernesto disse firme enquanto encarava a ruiva nos olhos.
Lucy piscou algumas vezes e, com isso, sem querer, deixou algumas lágrimas rolarem. Secou-as rapidamente e se levantou.
— Sai dessa vida porque ela não faz bem para você — ela murmurou, encarando-o nos olhos. — Se você soubesse o quanto dói ver você assim, Ernesto... — ela fez uma pausa para respirar fundo enquanto balançava a cabeça negativamente. — Não importa, não é? Você já se tornou uma mistura do Crowley com o Castellamare e mais os seus amiguinhos de merda — ela deu uma risada fraca. — Como é que eu pude me apaixonar por você?
— Vai ver você tem queda por bandidos idiotas. Afinal, você não dava para o Crowley? — ele perguntou com um sorriso debochado nos lábios e Lucy engoliu a seco, sentindo as lágrimas e o ódio virem com mais força.
Em dois passos largos e rápidos, Lucy já estava de frente para Ernesto novamente. Encarando-o nos olhos, ela ergueu uma das mãos e deixou-a bater com toda sua força no rosto de Ernesto, fazendo um alto barulho na sala.
— Nunca sequer toquei no Crowley, se quer saber — ela disse firme. — Não sou esse tipo de mulher e você sabe. Mas eu esqueço do fato que você é influenciável a ponto de acreditar no Crowley quando ele disse que eu dormi com ele. Afinal, você não se deixou levar pelo Castellamare a vida inteira? Não é por isso que está aqui? — ela riu fraco. — Pois é, Ernesto. Continue assim, a criação de Castellamare está de parabéns. Ele conseguiu o monstro que queria.
— Você vai se arrepender do que fez — ele apontou para o rosto, rindo em puro nervosismo. Não queria dizer nem fazer aquelas coisas com Lucy. Oras, ele a amava! Amava demais! Céus, como era idiota! Até na maneira de amar ele parecia os idiotas do William e John! — Some daqui.
— Não precisa falar de novo — Ela o encarou nos olhos novamente, ignorando as lágrimas que agora caíam livremente por seu rosto. — Só não venha atrás de mim. Acabou, Ernesto. Dessa vez é de verdade.
— Isso havia pelo menos começado, Lucy? — ele perguntou baixo, finalmente mostrando o quão afetado estava.
— Para mim, sim — ela respondeu calmamente. — Agora, bom, vou procurar um médico, porque esse meu braço não pode ficar assim e eu preciso de uma desculpa para dar ao Charlie — ela deu de ombros. — Aproveite o seu fracasso.
Ernesto não respondeu. Apenas encarou a porta sendo fechada após a sua garota passar por ela. O que ele havia feito, afinal? Por que acabara com tudo? Por que sempre acabava com tudo?
Deixou seu corpo cair sobre o sofá e apoiou os braços nos joelhos, apoiando o rosto nas mãos e respirando fundo. O que diabos aconteceu? Por que ficaram tão distantes? Agora, mais do que nunca, Ernesto sentia vontade de sair atrás dela e gritar para todos ouvirem que ele a amava com todo o coração, que queria passar o resto da vida com ela e que era um idiota. Mas... Mas... Só vontade. Coragem ele não tinha. E o orgulho estava ali, também. Infelizmente.
— Vai atrás dela. — A voz de Jesse preencheu a sala e Ernesto soltou uma risada fraca, passando as mãos pelo rosto.
— Por que eu iria atrás dela? — ele perguntou arqueando uma das sobrancelhas.
— Porque você a ama, Ernesto — Jesse disse firme, não que fosse certo dar aquele conselho para Ernesto, já que ele estava ali para ferrá-lo. — Eu sei como é perder alguém por orgulho e, acredite, não é nada bom.
— Tenho coisas mais importantes para fazer — Ernesto deu de ombros e se levantou. — Aliás, quem dá as ordens por aqui sou eu, Jesse.
— Sim, eu sei — Ele encarou o mais novo. — Só estou dizendo para você fazer pelo menos uma coisa certa na vida. Sua mãe gostaria de te ver feliz com uma mulher como a Lucy, por mais que ela faça coisas erradas às vezes. Como dessa vez. Ela não teve culpa de William ter ido atrás dela.
— Não vou atrás dela — Ernesto disse firme e se virou em direção as escadas.
— Depois não reclame porque perdeu, Ernesto.
Ao ouvir aquela frase, Ernesto parou e respirou fundo. Por mais que amasse Lucy, era até bom que ela se afastasse dele e fosse embora de vez. Não suportaria ver sua garota morrer por sua causa ou morrer na frente dela. Mas só de pensar na hipótese dela estar com outro... Céus, seu sangue fervia!
— Eu não vou perdê-la, tá legal? — ele encarou Jesse. — Lucy é minha. Para sempre, Jesse. Não importa quantas brigas nós temos.
— Talvez isso passe a importar agora...
— Está querendo me botar contra ela? — Ernesto perguntou estreitando os olhos.
— Por que eu tentaria isso? — Jesse riu. — Só estou tentando abrir seus olhos. Tem homens por aí que não deixariam uma mulher como a Lucy do jeito que você deixou. Por mais que ela te pertença.
— Tipo você?
Jesse riu e respondeu em seguida:
— Já tenho a minha, Ernesto. Eu, pelo menos, não preciso da Lucy. Já você... — ele deixou a frase no ar e deu de ombros, saindo da sala em seguida.

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