O dia começava a clarear e a chuva fina batia contra a janela. Ernesto estava sentado no sofá, olhando para a chuva que caía do lado de fora. Não conseguira pregar os olhos por um minuto sequer, o que Crowley dissera não saía de sua cabeça. Quem ele realmente era? Ernesto Bonner? Isso chegava a soar engraçado. Mas vindo de Crowley, deveriam esperar de tudo, até mesmo uma brincadeira idiota como essa.
Ernesto sentia-se extremamente cansado, mas sabia que não conseguiria dormir enquanto não soubesse sobre o que Crowley estava falando. E se ele realmente não soubesse da verdade como deveria? E se Castellamare estivesse mentindo para ele também? E se, na verdade, tudo o que fizera fora para beneficiar somente Castellamare e não aos dois como se foi dito?
As escadas rugiram e Ernesto deixou seu olhar vagar até o local.
— Já está acordado? — A voz de Castellamare preencheu a sala e Ernesto deu um sorriso de canto.
— Não dormi. — Respondeu tranquilamente e Castellamare engoliu seco.
— Por quê? — O mais velho se sentou no sofá que ficava de frente para o que o rapaz estava.
— Quem eu realmente sou? — Ernesto perguntou sem se importar em enrolar.
— Não se perturbe com isso, Ernesto. — Castellamare respondeu.
— Quem eu realmente sou? — Ernesto repetiu a pergunta e Castellamare o encarou nos olhos.
— Você sabe quem você realmente é. — Castellamare disse sério e Ernesto suspirou.
— Não faça eu me arrepender mais do que eu já me arrependo. — Ernesto disse simplesmente e se levantou, sem dar tempo ao mais velho para tentar argumentar alguma coisa. Castellamare sabia o que Ernesto era capaz de fazer caso soubesse que tudo o que viveu era uma mentira. Não que fosse tudo realmente verdade, porque tem seus pontos não verdadeiros que Castellamare não fizera questão de contar ao rapaz. Mas ele realmente não precisava saber disso. Pelo menos não agora. Tudo o que Ernesto deveria fazer era focar no objetivo daquilo tudo, no resultado que teria toda aquela "guerra". Castellamare não o havia preparado à toa. Castellamare deixara Ernesto devidamente preparado, sabia que Crowley surgiria a qualquer momento, sabia que ele faria de tudo para acabar com todos eles e poder cuidar de William sozinho.
William. Pobre William. Se soubesse metade do perigo que corria em ser tão bom no que faz e tão abusado da forma que é, já teria caído fora. Já teria dito que desistia de tudo para poder viver em paz. Tudo bem que ele gostava de desafios, mas seria bom se ele desafiasse menos. Seria bom se ele desafiasse, pelo menos, sabendo da verdade, sabendo quem ele realmente era. Mas não. William não fazia ideia de quem ele realmente era, para o que ele realmente nasceu. William não sabia metade de sua própria vida. Crescera no meio de mentiras, o contrário de Ernesto, que fora criado a base da verdade nua e crua. Como viraram melhores amigos? Atuação! Oras, você não precisa ser um ator para saber atuar. Mas isso fora doloroso. Não para William que não sabe de nada, muito menos para Castellamare que sabe de tudo nos mínimos detalhes, mas sim para Ernesto, que teve que lutar para conseguir entrar para aquela equipe, que teve que lutar a vida inteira por uma vingança que deveria ser só do tio. Ernesto aprendeu a sentir ódio. Aprendeu a odiar William. Ernesto não conhecia o ódio até seus belos treze anos de idade. Ernesto não conhecia o ódio até ver a vida que William sempre levou e comparar com a sua, que era um milhão de vezes mais complicada. Não que o caso aqui seja a inveja que Ernesto sentira. Porque o pequeno Paglia nem sequer pensava em invejar William, pelo contrário, se esforçava para não fazê-lo, criar ódio desnecessário e acabar se transformando numa figura idêntica ao seu tio. Não era esse o seu sonho, a sua vontade. A sua vontade, na verdade, sempre fora saber a verdade. Saber de onde veio, por que veio e como veio... Saber por que ele... Não teve um pai presente, mas William sim, sendo que ambos tinham o mesmo pai. Seu problema não era a inveja do amigo. Nem o reconhecimento que William sempre levava a maior parte. Seu problema era a rejeição que sofrera. Seu problema era a dor que sentira sozinho quando cresceu e descobriu o real motivo da morte de sua mãe. Seu problema era ter visto seu próprio pai morrer e se sentir bem com aquilo. Seu problema era ter nascido naquela maldita casa e ter sido criado por Castellamare, que só queria um bonequinho para fazer de escravo e alimentar um ódio que não existia dentro de tal. Seu problema era ver que William recebia coisas por não ser tão verdadeiro quanto aparentava. Não que ele também não fosse verdadeiro. Mas ele assumia — pelo menos para si mesmo — que era um mentiroso de merda. O contrário de William que fazia tudo às escondidas e somente ele sabia. William não era tão santo quanto deveria ser. William não era tão bom quanto deveria ser. Mas, óbvio, ninguém além de Ernesto sabia disso. Talvez não ser completamente bom — no quesito humanidade — fosse de família.